O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

O Feminismo no Brasil – parte 6


Artigo da professora Constância Lima Duarte sobre a história do Feminismo no Brasil, parte B da terceira onda.

Terceira onda: rumo à cidadania (parte B)

E chegou finalmente o ano de 1927. O governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, antecipou-se à União e aprovou uma lei em seu Estado dando o direito ao voto às mulheres, para regozijo nacional das feministas. A terra de Nísia Floresta saía na frente e impunha-se como provocação para as demais províncias. Imediatamente, as mais combativas militantes da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em todos os Estados em que estava representada, ocuparam as tribunas para aclamar a iniciativa e exigir o mesmo direito. É lançado um manifesto à nação, ora chamado de Manifesto feminista, ora de Declaração dos direitos da mulher, que vem assinado por Bertha Lutz, Jerônima Mesquita e Maria Eugênia Celso, entre muitas outras de importantes famílias políticas, como Clotilde de Mello Vianna, a esposa do Vice-Presidente da República, nos seguintes termos:

As mulheres, assim como os homens, nascem membros livres e independentes da espécie humana, dotados de faculdades equivalentes e igualmente chamados a exercer, sem peias, os seus direitos e deveres individuais, os sexos são interdependentes e devem, um ao outro, a sua cooperação. A supressão dos direitos de um acarretará, inevitavelmente, prejuízos pra o outro, e, conseqüentemente, pra a Nação. Em todos os países e tempos, as leis, preconceitos e costumes tendentes a restringir a mulher, a limitar a sua instrução, a entravar o desenvolvimento das suas aptidões naturais, a subordinar sua individualidade ao juízo de uma personalidade alheia, foram baseados em teorias falsas, produzindo, na vida moderna, intenso desequilíbrio social; a autonomia constitui o direito fundamental de todo individuo adulto; a recusa desse direito à mulher é uma injustiça social, legal e econômica que repercute desfavoravelmente na vida da coletividade, retardando o progresso geral; as noções que obrigam ao pagamento de impostos e à obediência à lei os cidadãos do sexo feminino sem lhes conceder, como aos do sexo masculino, o direito de intervir na elaboração dessas leis e votação desses impostos, exercem uma tirania incompatível com os governos baseados na justiça; sendo o voto o único meio legítimo de defender aqueles direitos, a vida e a liberdade proclamados inalienáveis pela Declaração da Independência das Democracias Americanas e hoje reconhecidas por todas as nações civilizadas da Terra, à mulher assiste o direito ao título de eleitor.

Mas apesar das passeatas, dos artigos nos jornais e das dezenas de conferências públicas, foi preciso esperar ainda alguns anos. Foi possível, inclusive, assistir à eleição da primeira prefeita, Alzira Soriano (1897-1963), em 1929, no município de Lajes, interior do Rio Grande do Norte, derrotando o adversário, um conhecido coronel da região, com 60% dos votos, e tornando-se a primeira mulher prefeita da América do Sul. A indicação de seu nome para concorrer às eleições pelo Partido Republicano havia sido uma sugestão de Bertha Lutz, que a conhecera numa reunião de políticos, por ocasião de sua viagem ao Rio Grande do Norte em companhia de Juvenal Lamartine. A eleição de Alzira Soriano repercutiu até no exterior e foi notícia em jornais dos Estados Unidos, Argentina e Uruguai.
Apenas em 1932, Getúlio Vargas cede aos apelos e incorpora ao novo Código Eleitoral o direito de voto à mulher, nas mesmas condições que aos homens, excluindo os analfabetos; e o Brasil passava a ser o quarto país nas Américas, ao lado do Canadá, Estados Unidos e Equador, a conceder o voto às mulheres. Mas a alegria durou pouco: Vargas decide suspender as eleições e as mulheres só vão exercer o direito conquistado na disputa eleitoral de 1945.

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