Prática de percepção: TOCAR
Com uma das mãos, a Dama toca o mastro da flâmula que contém seu brasão.
Tocando atentamente as coisas externas e sentindo-as internamente, elas passam a pertencer para sempre à nossa alma, da mesma forma que o brasão pertence à Dama e à sua nobre linhagem.
A ideia destas práticas simples é prestar atenção às nossas sensações corporais e percepções, e conectá-las a nosso mundo interno. Se quiser mais informações sobre isso, clique AQUI.
Não é preciso ter feito as práticas anteriores para fazer a de hoje, que consiste em:
1. AFASTAR OUTROS ESTÍMULOS E CONCENTRAR-SE SÓ NISSO. Não mexer nem olhar para o computador, celular, televisão, desligar o som, não falar, ficar parada.
2. TOCAR ALGUMAS SUPERFÍCIES E OBJETOS COM O MÁXIMO DE ATENÇÃO, DE OLHOS FECHADOS. Eu gosto de fazer essa prática de manhã, quando sinto o tato despertar mais intensamente do que os outros sentidos: vou percebendo a temperatura fora da cama, o frio da água na pia, a maciez da pisada no tapete, etc. Mas não importa o horário ou as coisas que escolhemos para tocar.
3. DAR QUALIDADES às coisas tocadas, PERCEBER OS SENTIMENTOS que trazem e fazer ASSOCIAÇÕES EMOCIONAIS COM OUTRAS COISAS (lembranças, ideias, pessoas, lugares, etc). Eu sigo mais ou menos o roteiro abaixo, mas não precisa responder a todas as perguntas. Outra opção é se concentrar em apenas uma ou duas das perguntas.
4. DURAÇÂO: alguns minutos
E se a gente descobrir melhor como a textura de algo comum (a superfície da mesa de trabalho, do livro que lemos, de uma casca de cebola) é interessante, OBA! Se notarmos como é rico o que o simples cotidiano coloca à nossa disposição, OBA OBA! A Dama está nos tocando!
Roteiro: O objeto que estou tocando é duro, mole, rígido, flexível? Sua superfície é áspera, lisa, enrugada, peluda, ondulada? É fria, quente, morna? É composta de várias coisas ou é uma peça única? È gostosa de encostar ou é desagradável? Tenho vontade de toca-lo mais tempo ou quero parar e escolher outro? Tenho vontade de passar a mão por ele ou prefiro ficar com a mão parada? Ele é meu ou é de outra pessoa ou é emprestado? Como me sinto em relação a possuí-lo ou não? Se fecho os olhos e passo a mão ou o pé por ele, muda alguma coisa na minha percepção interna dele? Ele me faz recordar alguma outra coisa, pessoa, época da vida ou experiência? Traz alguma ideia, vontade? Me vem a mente alguma palavra, imagem, sensação?
Coloquei a minha pratica abaixo, para ilustrar. Se tiver tempo e vontade escrever, desenhar ou apenas contar sua experiência para alguém é ótimo. Também pode comenta-la aqui mesmo.
Quando a vida relaxa
Manhãzinha, água fria da torneira escorrendo pela minha mão me lembra um vestido de seda verde que, quando menina, eu costumava colocar para brincar de princesa.
Nem começava a vesti-lo e já estava com ele, que escorregava pelo meu corpo tão rapidamente quanto rápida termina nossa infância.
É uma sensação de tocar o passar do tempo, como se o tempo fosse pés afundando na areia, ou como se fosse a própria areia escorrendo na antiga ampulheta do meu pai…
Abro a porta do quarto, dura manivela, e sem querer risco a unha na lisura metálica, arrepio, ui!
Na sua caminha do corredor, meu cachorro ainda dorme. Sento-me ao lado dele, bunda insegura afundando na almofada de cetim.
Passo a mão no corpinho peludo. Invejo um pouco essa confiança de animal adormecido, que eu só tenho às vezes, quando a vida relaxa.
E dentro de mim tudo se aquece num amor simples, primitivo, e me expando tanto que não é apenas minha mão que toca o cachorro, mas todas as partes de mim respiram com ele em sua calma digna.
Texto de Beatriz Del Picchia, imagens das tapeçarias da Dama e o Unicórnio expostos no Museu de Cluny, Paris.