Onde estão nossas heroínas?
A Bia deu uma entrevista para o site http://thinkolga.com, da Juliana de Faria, que se define como: “ jornalista formada pela PUC-SP. Especializou-se em moda em Londres e trabalhou em publicações como Elle Brasil e Harper’s Bazaar. Com o tempo, descobriu que gostava mais de falar sobre a mulher que veste a roupa do que sobre a roupa que veste a mulher”.
O site é bem bacana e vale muito a pena uma visita!
Grande parte da entrevista foi publicada lá, em maio e hoje reproduzimos aqui no blog, na íntegra. A ilustração que ela usou e reproduzimos aqui é da artista croata Irena Sophia.
– Muitas mulheres ícones, como Sheryl Sandberg, a diretora do Facebook, afirmam que temos poucas mulheres heroínas para nos inspirar. Você concorda?
Mas o que ela chama de heroínas, e onde busca inspiração? Olha, outro dia eu vi um trecho de vídeo no qual Rose Marie Muraro, nos seus 80 anos, era conduzida na cadeira de rodas segurando na mão uma vassoura de bruxa e falando coisas super corajosas, divertidas e provocativas. Fiquei tão empolgada que liguei para ela, fiz uma entrevista para meu blog e tanto seu discurso quanto sua biografia me inspiram muito! Também me inspiram o caráter e a pintura feminina de Georgia O´Keefe, os enfrentamentos de Elisabeth Kubler-Ross com suas ousadas descobertas sobre o processo de morte, a Karen Armstrong, ex freira cuja biografia e obras vale a pena conhecer; as nossas poetas Cora Coralina e Adélia Prado e sua feminina ênfase no cotidiano, a Riane Eisler, autora do livro referencia O CALICE E A ESPADA e que tem defendido propostas para uma economia baseada na parceria, e tantas outras… Frequentemente pagando alto preço, são mulheres que levam ou levaram vidas coerentes com suas crenças, fazem diferença e inspiram novas maneiras de estar no mundo. E outra coisa: nos grupos e palestras que demos por aí, ouvimos varias moças dizerem que sua heroína e inspiradora é a avó, ou uma tia… Adoro e respeito essa valorização feminina do familiar, do pequeno-grande heroísmo privado que não tem lugar na grande História escrita pelos homens.
– Quais as diferenças entre a jornada do herói e da heroína?
Há duas principais. Primeiro, a jornada masculina costuma ser solitária: o grande herói sai de casa e, sozinho, vence o inimigo e salva o mundo. Já a jornada feminina geralmente é mais compartilhada. Nós lutamos as batalhas da vida cuidando das crianças e do cachorro, levando junto as amigas, acudindo a mãe, o ex marido… Em vez de partir sozinha, nós seguimos quase em caravana, por assim dizer. Segundo, nós nos deixamos levar um bocado mais pela intuição. Damos mais voltas, fazendo uma jornada mais circular do que a reta trajetória padrão masculina – até porque temos que atender a mais pessoas ou áreas. Se perdemos em rapidez, ganhamos em riqueza de vida. Mas veja bem: estou falando da jornada arquetípica feminina conforme detectamos em nossa pesquisa. Claro que há mulheres que fazem jornadas masculinas, no clássico padrão focado do sistema, e homens que fazem femininas.
– Qual sua visão sobre as heroínas apresentadas em filmes, livros, quadrinhos e seriados?
A maioria é uma representação feminina que evoca ou a Marilyn Monroe ou a Margareth Tatcher. Quer dizer, variam entre A Princesa (derivadas: A Sexy, A Romântica, A Infantil, A Desajeitada, A Vítima, etc) ou A Herói Masculino (A Executiva, A Detetive durona, etc). Às vezes colocam ambas na mesma figura, que vira algo estranhíssimo como todo híbrido. São estereótipos que facilitam as vendas dos filmes e de outros produtos, fortalecendo a inércia de pensamento e de percepção de mundo. Mas aos poucos estão surgindo heroínas mais facetadas e sutis nessas mídias.
– Além das comuns e unidimensionais cuja força vem da sensualidade, um outro tipo de heroína ganhou destaque: aquela empresária multitarefas, cuja imagem é a da “mulher atendendo ao telefone enquanto balança no colo uma criança chorando”. Como podemos aprofundar a imagem da heroína?
Bom, essa é uma super- heroína de almanaque, a Mulher Maravilha que interiorizou a jornada masculina e tenta ser o herói padrão, só que com mais responsabilidades e mantendo a aparência impecável! Ou seja, ainda hoje a mulher paga um preço absurdo por viver num sistema materialista, devorador e consumista. Somos vitimas e vilões dessa história, que continua acontecendo por várias razões: porque nós não queremos ou não sabemos como fazer diferente, por inexistência de opções onde habitamos, por não questionarmos nosso estilo de vida e valores, por falta de apoio logístico publico e familiar, ou por tudo isso junto. Para mudar esse quadro, novos paradigmas tem que ser estabelecidos. Por exemplo, simplicidade voluntaria, economia solidária, escolhas conscientes, questionamento de padrões estéticos femininos, estruturas familiares e publicas mais inclusivas e flexíveis, etc . Coisas fantásticas, mas que implicam em certas perdas e negociações, e esse é um ponto difícil.
– No TedXdaLuz, você diz que o mito do herói deve servir como espelho para a vida, pois ele é universal e está no coração de todos nós. Por que as mulheres têm dificuldade em se retratar como as heroínas?
Muitas vezes os oprimidos não se enxergam como heróis. Projetam no outro qualidades que tem em si sem as reconhecer. Sabe aquela frase “atrás de um grande homem há uma grande mulher”? Ela é escondida até de si mesma! Pela baixa auto estima da imagem feminina, muitas mulheres foram as grandes opressoras de suas irmãs e filhas, seus espelhos. Na medida em que a mulher valoriza a si mesma, as heroínas vão surgindo, sendo vistas e retratadas pelas próprias companheiras.
– Quem deveriam ser as nossas heroínas hoje e o que falta para elas alcançarem o destaque merecido? Como reconhecer as heroínas?
Bom, para começar, não as procurando em heróis masculinos em corpo de mulher. Para mim, tanto na escala domestica como publica, as heroínas são as que defendem valores femininos. Valores como, por exemplo, a validação do sentimento e do afeto. Ou como a coerência no que a pessoa diz e no que faz na vida pessoal: nós mulheres valorizamos, e ainda bem, o que é intimo e familiar. Heroínas são integras consigo mesmas (com sua alma, diriam os antigos) a todo custo. Defendem e cuidam instintivamente do fraco, do perseguido, discriminado, do looser – como são as próprias mulheres em sistemas masculinos opressores. Enfim, acho que devemos procurar as heroínas naquelas que são portadoras das mudanças que queremos ver no mundo, como disse o Gandhi. E sejamos nós mesmas, cada vez mais, a mudança e a heroína de nossas vidas! Talvez elas não recebam muito destaque na grande mídia, até porque os sistemas patriarcais se defendem. Mas nós podemos cuidar um pouco disso. Somos boas tanto no varejo, no trabalho de formiguinha, quanto no de elefanta. Botamos a boca no trombone, na internet, no bairro, nas editoras, nas Assembléias. Seu blog é um exemplo do que estou falando: há vários pontos de luz, faróis na neblina. Cada vez mais!