O resgate da intuição no conto de fadas de Vasilisa
Na maioria dos contos de fadas, ouvir a intuição é fundamental para acontecer o final feliz.
No conto de fadas que postei aqui semana passada, Vasilisa é uma jovem mulher que passa por experiencias espantosas e consegue realizar tarefas difíceis com o auxílio de uma boneca que ganhou da mãe. Essa boneca fala com Vasilisa, dando-lhe sábios conselhos aos quais ela sabiamente obedece.
A boneca pode ser interpretada de várias maneiras. No Quinto Encontro de Mitologias do Feminino falamos que ela pode representar a intuição feminina e ancestral, a boa mãe interna que todas carregamos, o Self, a sabedoria intuitiva, o objeto mágico que protege (como um patuá, figa, etc).
Em Mulheres que correm com os lobos, Clarissa Pinkola a interpreta como intuição: “A mãe de Vasilisa proporcionou um enorme privilégio à sua filha ao vincular a boneca a Vasilisa. O vínculo com nossa própria intuição propicia uma confiante dependência que resiste a tudo.”
Quando Vasilisa ficou com muito medo por ter que atravessar uma floresta escura e não sabia que rumo tomar, encostou a mão na boneca e viu que ela lhe dava forças. Ouviu então uma vozinha dizendo: “vá por ali, depois vá por acolá”. Ela espantou-se por estar ouvindo a voz da boneca, mas abriu-se para isso e obteve dela apoio, direção, sabedoria, boa sorte. Por seu lado, Vasilisa confiou na boneca, seguiu seus conselhos e por isso conseguiu sair feliz e vitoriosa de sua missão.
Entendendo esse conto como uma metáfora que se aplica a todas nós, vai a pergunta: como sua boneca fala com você? Como uma voz, ou como uma sensação, ou como um sentimento, como uma imagem…? E percebe o que ela faz por você?
Clarissa Pinkola fala sobre o que a intuição faz pelas mulheres: “Em vez de definir a intuição como alguma peculiaridade irracional e censurável, ela é definida como a fala da verdadeira voz da alma. A intuição prevê a direção mais benéfica a seguir. Ela se auto preserva, capta os motivos e intenções subjacentes e opta pelo que irá provocar o mínimo de fragmentação na psique.” (…) “Como o lobo, a intuição tem garras que abrem as coisas e as sujeitam; ela tem olhos que enxergam através dos escudos da persona; ela tem ouvidos que ouvem sons fora da capacidade de audição do ser humano. Com essas espantosas ferramentas psíquicas, a mulher assume uma consciência animal astuta e até mesmo premonitória, que aprofunda sua feminilidade e aguça sua capacidade de se movimentar com confiança no mundo exterior.”
E o que você faz quando a percebe?
De novo, Clarissa responde: “Se a psique instintiva disser “Cuidado!”, a mulher deve prestar atenção. Se a intuição profunda disser “Faça isso, faça aquilo, vá por esse lado, pare aqui, siga em frente”, a mulher deverá corrigir seus planos conforme seja necessário. A intuição não é para ser consultada uma vez e depois esquecida. Ela não é descartável. Ela deve ser consultada a cada passo do caminho, quer o trabalho da mulher seja o de enfrentar um demônio interior, quer seja o de completar alguma tarefa no mundo externo.”
A grande dificuldade, me parece, é diferenciar o que é desejo do ego e o que é intuição. Não é fácil diferenciar um do outro no começo da jornada de autoconhecimento, e mesmo depois essa é uma confusão comum. Quando o ego quer muito agarrar certas coisas, cria justificativas para fazer o que quer.
Acontece que a intuição nem sempre segue os desejos do ego, pelo contrário. As vezes a vozinha da boneca incomoda, e muito – e nessas horas é que a gente pode começar a entender a diferença entre a voz do desejo e a voz da intuição. Mas esse assunto fica para outra vez.
As ilustrações são de Ana Morgunova.