O que Nut pode nos ensinar?
Semana passada postei sobre os mitos de Nut, a deusa egípcia do céu noturno. E qual lição ela pode nos trazer hoje?
A história de Nut nos conta que existem tempos que pedem recolhimento, silêncio, espera, quietude, não ação. Tempos em que temos que entrar nesse útero noturno porque algo precisa ser gerado ou restaurado dentro da gente. São tempos de não-saber, onde vivemos em brumas: estamos no ventre de Nut.
Tempos em que nossa energia psíquica se volta para dentro, para o nosso mundo interno e que nos falta, consequentemente energia para lidar com as demandas do mundo externo. Claro que não podemos abandonar tudo e ir para um mosteiro mas precisamos, dentro do nosso possível, respeitar esses tempos: são tempos de transformação, de muita mudança e que normalmente transcorrem com lentidão.
E isso é sempre difícil, pois remamos contra a maré desses tempos velozes, de soluções prontas, agitados, nervosos. Queremos que tudo se resolva rápido e fácil, especialmente se envolvem nosso mundo interno, nossos sentimentos e emoções. Se isso não acontece concluímos que são coisas não valem a pena serem vividas e devem ser deixadas para lá, descartadas. Só que nossas questões não desaparecem conforme nossa vontade, só são reprimidas e voltam como doenças físicas ou da alma com muita frequência.
Além de soluções rápidas, tipo fast food, achamos que sempre devemos saber com clareza o porquê sentimos qualquer coisa e acima de tudo, termos certeza do que queremos e para onde devemos ir. Não saber algo sobre nós mesmos é inadmissível e para gente racional isso nunca acontece…óbvio!
Quanto bobagem, quanto ignorância sobre nós e a vida. Afinal, como já disse Freud “não somos donos de nossa própria casa”: além do consciente, existe o enorme inconsciente. Ou como diriam as Moiras, quanta Hybris!
Na nossa crença cega que tudo devemos planejar, controlar, ter metas e total clareza, deixamos escapar experiências vitais como são esses momentos de vazio e de não saber. Muitas vezes sabemos que estamos mudando e que temos que mudar, sabemos que algo importante e forte está acontecendo dentro de nós, mas não sabemos para onde vamos, muito menos onde iremos chegar: é como se andássemos às cegas. Parece que não temos mais mapas e o GPS recusa-se a funcionar; as referências se foram! O velho já morreu e o novo ainda não nasceu.
Estamos vivendo a fase da crisálida, como disse a junguiana Marion Woodman, onde não somos mais lagartas mas também ainda não somos borboletas. E, muitas vezes, como crisálidas temos que ficar quietas, meio imóveis esperando que o processo de transformação ocorra.
A idéia de que o futuro está sempre visível do lugar onde estamos não é realista. Algumas vezes, precisamos caminhar por um tempo “no escuro” até que possamos vislumbrar um novo horizonte.
Nut vem nos dizer da importância de suportarmos esses tempos internos e cheios de incertezas. É muitas vezes nessas fases noturnas que nossa Luz, nosso Sol está sendo regenerado. E muitas vezes é nesse útero escuro, nesses momentos vazios de qualquer clareza, que o novo e o criativo estão sendo gestados. É do útero de Nut que nós, renascidos, podemos voltar a viver uma vida realmente plena de Vida!
Trechos do livro O LEGADO DAS DEUSAS 2