Entrevista com Doucy Douek: respiração holotrópica, Psicologia Transpessoal e Krya Yoga no caminho do coração
A psicóloga Doucy Douek foi pioneira da respiração holotrópica e da Psicologia Transpessoal no Brasil e é uma Acharya, que significa mestra realizada da Ordem de Krya Yoga de Babaji.
Mas nada disso pode realmente defini-la, pois segundo suas palavras “as pessoas querem uma certeza, um rótulo: eu sou isto. Mas você não é nem isso nem aquilo, muito pelo contrário, você é processo, você é dinâmica, você é flutuação, você é movimento. Você não é, você está.”
Com riso fácil e fama de boa cozinheira (provei a abobrinha recheada: divina), Doucy transmite a impressão de força pessoal com jeito de Grande Mãe que respeita e valoriza a intuição. Na entrevista em que nos contou sua historia de vida ficou clara a importância das vozes internas que a guiaram desde menina, já que “você simplesmente tem que seguir o coração. São coisas que você não prevê, não planeja, às vezes não entende, às vezes não faz sentido no momento, mas tem que ser aceito e feito!”
Pinturas de imagens internas e a psicologia de Sándor, Jung e Reich
Eu nasci em Alexandria, o encontro entre Oriente e Ocidente, em uma família judia. Quando eu tinha sete anos aconteceu o problema do Canal de Suez e todos que tinham passaporte inglês ou francês tiveram que sair em 48 horas do Egito. Minha família mudou-se então para a Inglaterra. Ficamos lá 3 anos e depois nos mudamos para o Brasil. Eu tinha 11 anos.
Aqui comecei a ter muita vontade de pintar, mas não era pintura tradicional. Eu pintava minhas imagens internas: fechava o olho, via, e queria pintar aquilo que tinha visto. Dos catorze aos dezenove anos, todos os sábados, religiosamente, pintei essas imagens que vinham para mim. Aí entrei na faculdade de psicologia da PUC e não consegui mais pintar. Até então eu era meia muda, era meio para dentro. Entrei na psicologia e soltei a voz pela primeira vez.
Lá fiz grupos de estudos com o Pethö Sándor e depois também com o Carlos Byington. Fiz terapia com o Sandor, o Gaiarsa e a Maria Luisa Simões, quase 10 anos, várias linhas. Formada, atendia no consultório na linha do Jung, do Reich, já trabalhava corpo e mente.
Respiração holotropica: o tempo não existe
Uns dois anos depois de formada fui ao IV Congresso Internacional de Psicologia Transpessoal. Entre outros lá estava Stanislav Grof (foto), que depois me convidou para fazer parte do seu grupo em Esalen por um mês com uma bolsa parcial.
Fui, e em Esalen tive a minha primeira experiência com a respiração holotrópica. Não pensei que fosse acontecer qualquer coisa, não tinha expectativa nenhuma, mas foi uma das experiências mais fortes que eu passei na vida.
Primeiro eu senti como se estivesse numa nave espacial e atravessasse vários portais que se abriam à minha passagem, como num filme de Flash Gordon. E depois de repente senti que os meus braços tinham uma energia enorme, como se fossem altos fios de tensão… Eu tive uma experiência crística. Percebi que o que ele emanou há 2000 anos atrás continua sendo emanado: o tempo não existe.
E logo depois outra experiência: eu senti uma dor dilacerante no coração e sabia que nada na minha vida justifica o tamanho dela. Meu chacra do coração estava abrindo e eu estava entrando em contato com o sofrimento das pessoas dos campos de concentração. Ele não era meu, mas o fato de reconhecer o sofrimento alheio aliviava a dor deles, porque eles precisavam desse reconhecimento. E vi que primeiro eu sentia sua dor profundamente, mas depois passava, não ficava em mim.
Psicologia Transpessoal: trocas de conhecimento no seu máximo
Logo depois aconteceu o quinto Congresso de Psicologia Transpessoal, em Boston, em 1979, onde encontrei todo um grupo especial de pessoas que chegaram ao máximo do seu potencial e agora era a hora da troca. Tinha físicos, gente ligada à espiritualidade, gente ligada à psicologia, era uma diversidade tão grande e você sentia que as pessoas tinham o mesmo propósito. Estavam buscando as mesmas coisas mas de vários pontos de vista diferentes, e isso era muito rico. E eu entendi que isso é Transpessoal: são iguais circulando, podendo trocar.
Seguindo a intuição das vozes internas
Sempre tive uma espécie de “vozes internas”, que vinham para mim como intuições, verdades que eu escolhia seguir. O que sempre fiz foi seguir as vozes, seguir a intuição, junguianamente falando.
E minhas “vozes internas” tinham me dado a instrução que eu não poderia fazer mais nada sozinha, tinha que se fazer tudo em grupo. E entendi que tinha que me responsabilizar pela difusão da Psicologia Transpessoal no Brasil. Tinha muita gente interessada nisso e o pessoal da Associação Internacional tinha passado para mim essa responsabilidade, caiu na minha mão. Entendi que era uma missão, e aceitei: “se é serviço, tudo bem”. Peguei isso como uma missão e com um zelo enorme.
“Psicologia normal é fotografia, Transpessoal é cinema”
Quando eu voltei dos Estados Unidos após minha primeira experiência com a Respiração Holotrópica disse a um grupo de terapeutas que eu supervisionava: “Gente, olha, eu entendi tudo! A psicologia normal é fotografia, Transpessoal é cinema”. E logo acabaram comigo, perguntaram quem eu pensava que era? Ninguém havia me alertado de que falar sobre a Transpessoal ia despertar uma reação como essa!
Então tive que aprender a lidar com essa questão. E uma experiência minha passada em outra vida (ou dimensão) me ensinou: retrai, volta e dá de gota a gota. Dá para quem está pronto. Aí a minha transmissão da Transpessoal foi assim: “Ah! Você teve uma experiência? Então vou te falar umas coisas”.
Vinha um, fazia respiração, terapia, se transformava, começava a fazer parte dos grupos que eu e o Vicente Galvão Parizi criamos. Além dos workshops de respiração, a gente criava inúmeros outros trabalhos e técnicas.
Continuei a minha formação com o Grof e fui a todos os Congressos de Transpessoal, com exceção do da Austrália. Aí o Grof criou uma formação oficial para facilitadores de Respiração Holotrópica e eu fiz parte desse primeiro grupo. Em 1983 comecei a fazer os workshops de respiração holotrópica aqui no Brasil. E fundamos a ATA – Associação Transpessoal da América do Sul, eu como presidente e o Vicente como vice.
As grandes alegrias que eu tive foi ao fazer as coisas em grupo. Todos juntos, cada um trabalhando em sua especialidade, se aperfeiçoando nisso e ao mesmo tempo compartilhando. Era a individualidade, junto com o fazer em conjunto.
Mas todo esse grupo, que já estava juntos há anos, de uma hora para outra, sem mais nem menos, acabou! Na minha opinião, nós estávamos num ponto de dar um salto muito grande e as pessoas se apavoraram com a responsabilidade de fazer uma coisa para todo mundo, não se achavam dignos.
Trabalhamos juntos quase 20 anos e o grupo se desfez inteiro: havia acabado aquela fase.
Você é processo, você é dinâmica, você é flutuação, você é movimento. Você não é, você está.
Eu acho que esse é o caminho para transformar o mundo: primeiro buscar se trabalhar individualmente, entender o que é projeção, entender o que é sombra, entender as suas intolerâncias, porque é a partir disso que você cresce. Se você lida com a tua sombra, lida com o fato de você não é nada e, ao mesmo tempo é tudo.
Mas isso é muito difícil, as pessoas querem uma certeza, elas querem um rótulo: eu sou isto. Mas, não é nem isso nem aquilo, muito pelo contrário, você é processo, você é dinâmica, você é flutuação, você é movimento. Você não é, você está. As pessoas querem ordenar o mundo material e nós não somos matéria. Quer dizer, podemos ter um aspecto material, podemos nos apresentar de uma forma material, só que nós não somos isso.
Nós somos todas essas vibrações, todas essas conexões, todas essas ligações.
Se está passando por isso, é porque alguma coisa você tem que aprender
O princípio da Transpessoal é que você é responsável. Você pode não ter feito nada para merecer algo que está te acontecendo de ruim, mas se você está passando por isso, é porque alguma coisa você tem que aprender. Ou isso é para acordar uma energia latente em você. Só isso. Você tem que pegar o obstáculo como uma oportunidade de acordar. A pior das torturas é, em última instância, acordar. E se desapegar do corpo em última instância. Toda situação é uma oportunidade de entender a nossa conexão com o Divino.
Boa comida em workshops de respiração
Dediquei toda minha vida a transmitir isso, a essa missão. Toda vez que eu pensava em me estabilizar com uma pessoa, casar, ter um filho, minhas vozes internas diziam: “você já teve essa experiência, você não precisa repetir”.
E eu aceitava! Eu entendia que não tinha vindo para essa vida para ter filhos biológicos, mas quantos “filhos” eu não nutri, quantos que aceitos integralmente por mim como seres humanos eu não ajudei a reintegrar, né?
Mesmo com a comida eu me ocupava durante os workshops de respiração. Tenho ainda que fazer um livro sobre as receitas da respiração! Eu fazia as comidas de que gostava quando era criança, simples e ao mesmo tempo muito gostosas. Acho que a comida tem tudo a ver com o acolhimento. Aliás, eu acho que você tem que fazer as coisas com muita perfeição e amor ao lidar com qualquer coisa da dimensão transpessoal.
É o esforço que transmuta o medo em energia
O Grof amplia o espectro do que é psicologia. A psicologia não é só a partir do nascimento, é também o próprio processo de nascimento e antes dele! E a morte também é importante. Ele integra duas pontas, o que não havia até então. E também coloca as experiências transpessoais, as experiências fora do tempo e do espaço, de comunicação de consciências. Ele mostrou que a consciência realmente é muito mais ampla.
E quando foi proibida a pesquisa com o ácido lisérgico, ele descobriu e criou uma técnica para as pessoas acessarem esses outros estados de consciência: a respiração holotrópica. Foi genial!
A diferença entre o ácido lisérgico e a respiração – e eu sou da respiração, não sou da química – é o esforço. É aquilo que você conquista porque você se esforça, então você quer de verdade. Você tem que mostrar a sua dedicação e perseverança, e é assim que você realmente elimina totalmente tudo o que tem que ser eliminado. Só a experiência já te esclarece, mas é o esforço é que te tira das situações, é o esforço que te transforma, porque é o esforço que transmuta o medo em energia.
Babaji: eu era guiada e não sabia
Em 1982 o Congresso da Psicologia Transpessoal aconteceu na Índia, em Bombaim. E eu e minha amiga Paulina fomos e fizemos um tour pela Índia Fiz um roteiro de forma totalmente intuitiva. A gente foi para muitas cavernas, muitos lugares sagrados, foi uma peregrinação e tanto. Anos depois percebi que estava sendo guiada por Babaji! Todos os lugares onde passei foram lugares onde ele meditou, onde tinha grandes cultos à Shiva. Na realidade eu era guiada e não sabia, essa é que é a verdade.
Quando nós chegamos ao congresso em Bombaim, soubemos que ia haver um darshan, que é uma benção que pessoas iluminadas dão. E a “minha” voz mandou eu ir até ele. Depois eu comecei a receber instruções sobre o que fazer – tipo medita, vai a tal lugar, fica lá um tempo e coisas assim, possíveis de seguir, simples. E eu obedecia. E muitas vezes quando eu meditava, recebia instruções sobre o que dizer e como proceder. Então, eram pequenas instruções assim que fui gravando e aplicando no meu dia a dia, no meu grupo, na minha prática. Fiquei assim por uns dois anos.
Tornando-se a Acharya Saraswati Karuna Devi
Mas quando minha irmã morreu aos 56 anos num acidente trágico eu recebi uma ordem mesmo: “Você precisa fazer sua iniciação”! Então fui para o Canadá fazer minha iniciação no Krya com M. Govindan Satchidananda.
Foi ótimo. Eu já sabia um monte de coisas, mas não organizado daquele jeito. Era um conjunto de que você vai praticando e vai abrindo os canais. São três níveis: o primeiro e segundo nível são 36 Kryas e o terceiro nível, 144 Kryas. Fiz o primeiro nível no Canadá, em 1996, o segundo no Brasil – trouxe Govindan para cá e fizemos a iniciação com meu grupo, em 1997. E o terceiro nível fiz na Espanha, em 1998. Recebi o nome de Saraswati Karuna Devi.
Finalmente eu tinha me tornado uma discípula. E era eu que estava aprendendo; pela primeira vez eu tinha que cuidar de mim, coisa que eu não sabia fazer, eu só sabia cuidar dos outros. Eu era uma Grande Mãe e estava saindo desse arquétipo. Em 2002, após práticas intensas, me tornei Professora de Krya Yoga e em 2003 torne-me Acharya, parte da Ordem de Acharyas de Kriya Yoga de Babaji. Acharya significa professor realizado naquilo que ensina.
A respiração é um desentupidor e a Krya um organizador
A Krya Yoga me deu uma organizada. Eu não deixo de fazer a respiração porque ela é um desentupidor. Ela acorda, ela transforma, mas a manutenção é a Krya. Na Kriya Yoga a gente entende como realmente funciona. É o desapego daquilo que não é você, ou seja, pensamentos, emoções, sensações que fazem parte do mundo material. Você pensa, você sente, mas você não é aquilo. Você é o observador, é nesse lugar que você vive.
Govinda Sachidananda é meu professor, mas meu mestre é Bábaji. Ele é uma força. Com o tempo você entra numa sintonia em que você acaba sendo uma parte do Universo. Você faz o que tem que fazer sem esforço, você se torna Bábaji. E Babaji é uma entidade que tem uma forma física e ao mesmo tempo é o Divino.
Se existe um caminho, siga o caminho do coração.
Continuo com a psicoterapia porque adoro, só faço coisas que eu gosto. E continuo fazendo grupos de respiração holotrópica, hoje com menos pessoas, e fazendo iniciações de Krya 1 e Krya 2, no mínimo 4 por ano.
A minha jornada também hoje é muito mais solitária, mas estou muito bem comigo mes
ma. Quero estar no mundo com graça, fazendo coisas bonitas se puder, é isso. E viver da forma mais simples possível.
Tive paixões, tive meus anseios, mas tive que abrir mão, pois seguia minhas “vozes”. Essa voz sempre tinha uma mensagem clara. E ela é a voz do coração, como o Campbell fala: se existe um caminho, siga o caminho do coração.
Minha vida foi e é toda pontuada por sincronicidade. Estar no lugar certo, na hora certa, ficar um tempo, aprender, pegar a energia e ir para outro lugar. Você simplesmente tem que seguir o coração. São coisas que você não prevê, não planeja, às vezes não entende, às vezes não faz sentido no momento, mas tem que ser aceito e feito!
Olá Doucy.
Não te conheço pessoalmente, mas já ouvi muito falar de você. Sou iniciada na Kriya Yoga de Babaji e gostaria de refazer alguma iniciação com você.
Quero conhecer a respiração holotrópica tb.
Quem sabe nossos caminhos se cruzam um dia.
Sinto que isso vai acontecer.
Gostei muito do que lí a seu respeito.
abraço.
Catia, nós só fizemos a entrevista com Doucy. Para entrar em contato com ela vc precisa fazer pessoalmente. Ela está no facebook, se vc quiser tentar. Abraço
Cristina