Entrevista com Carminha Levy, mãe do xamanismo matricial
Carminha Levy foi a grande mestra de xamanismo de quase todo mundo que trabalha aqui com essa tradição e continua iniciando os que estão chegando agora. Aos 81 anos, ela mantém o charme e beleza que atribui à Deusa: “Eu sinto que o poder da Deusa da Beleza está comigo” (verdade. Veja as fotos). E emana uma amorosidade tão forte “fui sempre cercada por esse amor muito profundo, sou grata e procuro retribuir” que desarma qualquqer um. Cercada pelas inúmeras imagens da Madona Negra, ela toca seu tambor e as atividades na Paz Géia, onde nos recebeu com carinho para essa entrevista em outubro de 2015. Depois voltei lá outras vezes para mais tambor, mais contatos, mais Carminha.
Nascimento com marcas de xamã
Os xamãs nascem com uma mancha, e eu nasci com várias marcas de xamã. Eu tinha debaixo do braço direto uma marca, um coração que de vez em quando ficava azul. Eu morava no sertão de Pernambuco. Desde cedo eu via anjinho… E sentia tudo, como o xamã sente. Quando está em estado alterado, ele sente que ele e a natureza são um só. Mas quando tinha 4 anos eu sentia muito medo daquilo, então de madrugada ia pra cama da minha mãe e ficava falando coisas para ela não dormir. Aos seis anos vim pra Recife de novo. Meu pai tinha sempre muitos altos e baixos, e acho que isso foi ótimo na minha vida porque me acostumou a enfrentar as mudanças – nunca com terror, mas como coisas novas que ainda não vi.
Primeiro marido: amor a primeira vista
Quando tinha 16 anos conheci meu primeiro marido. Era aviador, um homem muito bonito. Ele me olhou, eu olhei para ele – e foi assim, amor à primeira vista. Nós ficamos noivos e logo casamos. Fomos morar no Rio. Eu tinha 19 anos. Passei um ano e meio casada. Fiz anos no dia 25, e no dia 26 ele morreu num acidente. Fiquei com um bebezinho de 3 meses. Isso foi um grande impacto!
Eu voltei para o Recife, passei 3 meses e não aguentei. Estava com a Cristiana, minha filha, e não agüentava quando olhavam para ela e diziam: “Coitadinha, não tem pai…” Pensei: “minha filha não vai ser coitadinha de jeito nenhum!” Resolvi voltar para o Rio com minha mãe e minha irmã, que era solteira. Alugamos um apartamento juntas. E resolvi estudar, porque sempre gostei de estudar, de ler. Fui fazer vestibular num dia em que tinha 39 de febre … Mas isso passou e comecei a estudar pedagogia, que era a psicologia que existia naquela época. O Rio, na época a capital, era uma maravilha! Fui aluna de todos os grandes escritores, os mestres da educação. Quando veio a revolução eles foram banidos…
Segundo casamento: aprendendo a amar o amigo
No Rio encontrei meu segundo marido, que era meu amigo de infância. Fazia oito anos que a gente não se via quando ele ligou e combinamos de sair para jantar. E ele disse: “Olha, pedi a Zélia seu telefone e eu estou aqui porque quero casar com você.” Eu estava usando um vestido prateado, tinha posto talco no cabelo pra ele ficar platinado (risos) e usava uma piteira. Não fumava, era só pra fazer pose. Quando ele disse aquilo, a piteira caiu e eu disse: “Não, mas… eu não posso casar com você, você é meu amigo! Casamento tem que envolver amor, não pode ser só amizade.” E ele disse: “Pode deixar, eu fazer você aprender a me amar“. E depois me contou: “Você não sabe quanto tempo eu me preparei? Me preparei oito anos pra falar com você!” E casamos em dois meses, foi um corre-corre danado. Tive seis filhos, os três últimos com um ano de diferença. Vim morar em SP, porque ele morava aqui.
Faculdade de Psicologia e boas orientações
Eu quis voltar a trabalhar e não podia, porque agora só podia trabalhar como pedagoga. Acabei entrando na Faculdade Paulistana de Psicologia. De tarde, a turma toda (os filhos) ia pra escola e eu ia pra escola também.
Eu fazia arteterapia com calatonia. Calatonia foi que me abriu ao espiritual. Fazia com uma discípula do grande mestre Pietr Sandor, que teve o grande mérito de trazer Jung associado ao estudo corporal para o Brasil. Ela me aconselhou o caminho a seguir: “Carminha, você tem um potencial muito grande, eu aconselharia você a ir pros EUA fazer um curso lá, maravilhoso, que eu fiz também. Você vai voltar com outra bagagem, com outra representatividade.” Eu sempre tive essas boas pessoas que me deram boas orientações.
Estudos nos EUA: respiração holotrópica e xamanismo
Aí eu fui para os EUA, fiz respiração holotrópica com o Stanislav Groff e o curso de Xamanismo com Michael Harner (foto), esse mestre que trouxe o xamanismo para dentro das universidades. Logo no primeiro encontro com Michael Harner eu vi um grande leão sábio – eu sabia que ele era um velho sábio. Quando lhe contei isso, ele disse: “Ah, é porque você é uma xamã real”. Aí fui batizada lá, já que eu era uma xamã. Até então não tinha tido nenhuma manifestação xamânica, mas tinha premonições. Eu sou Leão, ascendente Leão e tenho 4 planetas na casa 12. Um deles é Plutão, que faz uma comunicação direta com o inconsciente.
Doença e sonho iniciático
Fiz essa viagem com 3 amigas. Logo após o curso nós passamos por lugares sagrados, México, Perú, Cuzco. E em Cuzco eu comecei a me sentir muito mal. Tive como se fosse um prenúncio de morte. (…) E uns 2 dias depois de chegar no Brasil, quando eu estava tendo uma relação sexual, na hora do orgasmo tive um aneurisma. Aí foi a grande virada da minha vida, que eu conto no meu livro As Cartas Sagradas da Madona Negra. Fiquei 20 dias internada, e eles não achavam de jeito nenhum onde estava o aneurisma. Fiz uma operação que durou 12 horas, foi uma coisa realmente super delicada. Eu tinha 10% de possibilidade de viver e 1% de sair ilesa. Eu tinha 48 anos. Eles dizem que foi minha grande sorte, porque eu estava com juventude no corpo para aguentar tudo aquilo.
Bom, no hospital eu fiquei super dopada para não sentir dor, e por isso não havia possibilidade de sonhar, de jeito nenhum. Mas eu sonhei um grande sonho, nítido e colorido no dia da operação. Adoro esse sonho. Era assim: “Nós estávamos no Vaticano, bem aonde tem a grande mandala, com meu marido dirigindo o cocho da morte. Havia 4 leões circulando, um deles inteiramente negro. Eu disse para meu marido: “Mas que horror, os leões ficarem assim no meio do povo.. “ Ele disse: “Não tem problema, é só não mexer com eles que eles não mexem com ninguém”. Nós íamos para uma missa em ação de graças pela salvação do filho de uma prima. E olha, o sonho já dava o prognóstico. A missa era num anfiteatro do Vaticano, rebaixado. Em cima estavam as pessoas que iam acompanhar a missa, embaixo estava o Papa, e a missa ia ser celebrada ali. Quando o Papa começou a missa ele se transformou em Anchieta, e tinha uma varinha na mão. A missa dele era fazer rosas. As rosas formaram um leque, e quando acabou a missa ele abriu um leque de rosas sulferino. Eu e todo mundo em volta nos espantamos muito! E eu dizia pro meu marido: “Mas essa prima Maria Lucia é tão espetaculosa!” A prima era eu mesma…
Encontrando a Madona Negra
Voltei pra casa e fiquei pensando: “Quem é esse animal negro?” Eu assinava a Revista Planeta, que era muito boa, e um dia saiu uma edição com a Madona Negra cercada de animais negros. E eu disse: “Ah, então eu vou pra Madona Negra”. Procurei a Madona e comecei a estudar. Muitas cenas do meu sonho é o caminho que a gente leva pra chegar à gruta da Madona. E sabia que o meu caminho para a Madona era o Xamanismo. Michael Harner disse que eu sou Xamã desde que nasci, e que o Brasil é a terra onde mais impera o Xamanismo porque aqui todos estão em contatocom os espíritos, as forças da natureza, a própria Umbanda, o Candomblé… Quando trabalho com Xamanismo, com o próprio toque eu entro em estado alterado de consciência xamânica, que é muito leve e do qual você sai com um simples abrir de olhos.
Estudos de xamanismo e as cartas da Madona Negra
Bom, eu tinha grupo de estudo de arteterapia e nele começamos a estudar o Xamanismo. Isso faz 34 anos! Nesse estudo foram surgindo referências que vinham de dentro; a gente fazia a viagem e vinha um pedaço de uma verdade aqui, outra ali. Fiz uma escultura da Mãe Terra com vários peitos. Posteriormente eu vi isso em Roma, em Treviso, na Villa D’Este. Ela é maravilhosa, é anterior à Diana. Durante 20 anos eu fiz uma pesquisa sobre matriarcado, Madona Negra (que nada mais é do que a Mãe Terra) que está nesse meu livro. Fui estruturando o que eu chamei de Xamanismo Matricial.
Xamanismo cósmico
Agora estou no Xamanismo Cósmico. Quando tinha 4 anos eu via seres imensos, azuis, que eram os Pleiadianos. Agora, várias coisas que eu faço tem misturas de meus sonhos, tem informações dos Pleiadianos. Então, a partir do trabalho com a Madona, comecei a participar de um grupo chamado Grupo Carmesim, dos EUA. Nós começamos a estudar Saint Germain, ou Adamus, e tem uma hora que ele diz: Vocês estão só cérebro! Vou trazer um animal pra vocês, um animal da quinta dimensão que se chama Pakauwah. Esse animal leva vocês para outras dimensões, para vidas paralelas, sai fora do tempo e do espaço. Aí eu comecei a chamar esse Pakauwah, e continuei esta pesquisa num grupo avançado muito bom.
Um golpe terrivel
Há 12 anos atrás, minha filha que tinha meu nome, uma menina lindíssima, casou com um rapaz que é um grande Mestre de Capoeira. Foi uma paixão avassaladora. Ela era muito audaciosa e tinha loucura pela Bahia. Lá conheceu o Jamaica e se casou com ele. Fez mestrado e estava fazendo doutorado e morando em Ilhéus, em Itacaré, quando começou a ter dores de cabeça muito intensas, teve um aneurisma e entrou em coma. Meu filho foi buscá-la no aeroporto em São Paulo, mas ela já chegou em estado de coma. O meu neto tinha 4 anos e meio. E eu prometi a ela que eu iria cuidar de seu filho, educá-lo, que ele iria ser um homem de bem com todos os valores dela. E ela morreu cedo… Morreu no tempo que tinha que morrer… Aí eu chorei por 9 meses. Claro que foi um golpe terrível! Foi o grande golpe da minha vida. Um dos meus alunos xamãs vê o que se passa após a vida e mandou um recado pra mim: que eu chorasse bastante porque ela não sabia o que tinha acontecido, e através do meu choro ela ia entrar em contato com minha dor e perceberia.
Criando o neto
Nós íamos todo mês a Bahia, eu e meu marido. Resolvemos deixar o menino com o pai pra ele não ficar órfão de pai e mãe. Um dia eu estava dando curso de xamã num mosteiro no Paraná e, quando estava acordando, minha filha apareceu e disse: “Agora, mãe, pode buscar o Pedro”. Eu o trouxe de férias e comecei a preparar uma situação para pedir ao pai que o deixasse ficar conosco, já que teria melhores condições de estudo, e passaria as férias com ele. No dia do meu aniversário, uma amiga, a Joana, me trouxe de presente um colar de um jade bem clarinho. É um jade que traz as respostas rápidas para o que você pede. Eu pedi pra que ele deixasse meu neto ficar. Vinte minutos depois, ele ligou e eu falei: “Oh, Jamaica, vamos fazer assim? O Pedro está tão bem aqui, tem escolas tão boas! Ele fica um tempo comigo e quando nas férias ele vai ficar com você.” Ele concordou! Levei o Pedro para escolher uma escola, que ele gostou muito, e aqui ficou. Então eu o crio. Ele fez 17 anos agora.
Ter força de vontade de fazer a mudança e não aceitar a situação pior
A vida do Pedro é cheia de coisas desse tipo, complicadas… Eu pedi inspiração e lhe disse: “Pedro, vou te dizer uma coisa: a vida a gente faz de acordo com o que a gente quer, com força de vontade. Veja sua vida: você nasceu, sua mãe era maravilhosa, seu pai também era muito bom. Mas perdeu sua mãe tão novinho. Podia ter ficado lá, ter aquela vida, e no entanto você veio pra cá e sua vida mudou. Então, várias situações na sua vida, meu filho, vão ser desse jeito. E tudo depende de você ter força de vontade de fazer a mudança e não aceitar a situação pior. Tem sempre uma situação que você pode mudar”.
Viuvez
A minha filha Cacau curava a Mãe Terra pela agronomia. Ela limpou as águas do rio que vai de Ilhéus para a primeira cidade, Itabuna. E o Marcos, meu filho que é xamã, cura com as mãos e é um excelente massagista… Agora perdi meu marido, companheirão. Passei 56 anos casada, e muitíssimo bem casada. Diz uma amiga que eu fui muitíssimo bem casada porque eu viajava muito, eu dava um curso por mês (risos). E ele, apesar de ser filho de inglês, queria me controlar. Eu dizia: “Mas não tem quem me controle, nem meu pai conseguiu.” E é isso!
Apoios: Existe uma historia de amor em tudo
Existe uma história de amor em tudo! Fui uma filha amadíssima pela minha mãe, a um ponto que ela impedia que eu tivesse as doenças de criança. Então o que aconteceu? Eu não tive. Mas tive todas as doenças junto com meus filhos… Fui sempre cercada por esse amor muito profundo, sou grata e procuro retribuir tudo que o universo me presenteia. Eu acho que são duas grandes forças que eu tenho: tenho esse amor que me cerca e que eu dôo, e tenho o riso, eu faço de tudo uma piada. Quer dizer, isso aí dá força para fazer as coisas necessárias e as coisas darem certo. É uma força no amor, muito grande. É a força da Madona, força da terra. É a minha grande padroeira.
Madona Negra e o trabalho do xamã
A Madona faz parte da minha vida em tudo. No meu livro você vai ver que é tudo baseado em Ken Wilber, na história da consciência. Ele fala que o ser humano está no quinto nível de evolução. Ele começa a nível de pedra, molusco, e nós somos tudo isso. No quinto nível surge o ser humano como somos hoje. (…) Foi quando nasceu o culto à Mãe Terra, que era o Sagrado. Da terra saíam as raízes que eles comiam, os frutos, tudo vinha dela. Dela tinham a água… As mulheres eram representantes da Mãe porque elas tinham o segredo da vida, eles não associavam sexo à procriação. Daí surgiu o matriarcado, o grande período no qual a Mãe Terra foi reverenciada.
Quando começou essa atual grande crise da humanidade, nos anos 60, despertou a busca do Sagrado, o retorno do Sagrado.Você tem uma volta à preservação da natureza… A terra é sagrada, a terra tem vida, a terra é a Madona Negra. E a Mãe Terra não é arquétipo, ela É. É como Deus, ele É. Nós o chamamos de A Fonte.
Manifestações da Mãe Terra
Olha aqui as manifestações da Mãe Terra: Oxum, Mãe Terra. Ali é uma Mãe Terra Cósmica. Essa aqui é Santa Sara. Aqui é Madona Negra. Essa aqui é do México, Guadalupe. Aquela quem me deu foi um amigo, é da Guatemala essa morena aqui. Essa é nossa querida Fátima. Essa é a mais recente que ganhei, Nossa Senhora de Loreto, padroeira dos aviadores. A casa de Maria veio trazida pelos anjos até a Itália onde é reverenciada na cidade de Loreto. A da Espanha, Motserrat. Aquela é Kanon, a Madona Negra do Japão. Equivale a Kuan Yin. O que mais… Aparecida. Essa é Oxum da África. Essa é Nossa Senhora da Conceição…
Beleza e poder da Deusa, foto e final da entrevista
Tem um fenômeno comigo. Tem horas que todo mundo fala: “Nossa, como você está bonita!” Eu sinto que o poder da Deusa da Beleza está comigo.
Pergunta: – A gente queria saber se podia tirar uma foto?
Carminha: – Pode! Mas antes vou dar uma ajeitadinha…
Ameeeeei! Obrigada meninas!
Bjs
Amei a entrevista meninas! Obrigada..Bjs