Adélia Prado e a plenitude
Há algum tempo atrás, fui ao lançamento do novo livro da maravilhosa Adélia Prado, chamado A duração do dia.
O livro é super (a poesia depois do texto está nele), mas aqui quero falar da pequena palestra que a Adélia deu na apresentação, que compartilho com vocês. Se isso fosse um manifesto, eu assinaria abaixo!
Então, aí vão as palavras dela, na minha versão, que transcrevi mais ou menos, sentada no chão do auditório na Livraria Cultura do Shopping Bourbon. Peço desculpas por alguma falha.
“O que nos une aqui, por um livro de poesia, é um ato de fé. Com todos os problemas que existem, e mais a ameaça (real ou não) de fim de mundo em 2012, continuamos a fazer poesias, a pintar… Alguma coisa nos move! O que?
A primeira coisa é a experiência do medo, variadíssima. De rato, barata, e da pior delas: a da morte. Tenho a impressão de que tudo é movido pelo medo da morte.
Então, precisamos de um sentido para existirmos, salvos da nossa condição absurda de finitude. Por isso fazemos desenhos em cavernas, grafites, poesia, e escolhemos algo para venerar, seja um deus ou um pé de coelho.
A pessoa mais cética, em algum canto de sua alma, tem alguma coisa a que gostaria de prestar reverencia. Tudo fazemos para, nas palavras de Isaac Singer, “obter uma quietude no meio do caos”.
Ou seja, não resistimos a uma vida sem o lado simbólico.
Para mim, a própria busca do sentido da vida é o sentido da vida: dá significado e também felicidade a nós, ás pessoas. É a aceitação plena da nossa condição humana.
Tudo que me dá coragem é verdadeiro. Como disse São Paulo, o grande pecado é agir contra nossa própria convicção. A resposta é individual, nunca coletiva.
E essa resposta não é uma prova racional e não é dada pela ciência: é a expressão plena de uma experiência humana.
Mas pode-se partilhar a unicidade da experiência. Por isso falamos sobre uma obra: “ele escreveu para mim”. Por isso podemos traduzir as obras, porque são experiências humanas.
A arte é um caminho de conhecimento. Quanto mais poética é uma coisa, mais real ela é, porque é mais diretamente a experiência REAL que se tem.
Arte não é conceito nem idéia, arte é sentimento. É um olhar do coração: é perceber. É quando você lê e fala: “Puxa vida! Isso tocou em “meu” lugar”!
É um tipo de comida para a fome da beleza – não boniteza, beleza. É uma espécie de tenda ou de pouso para entrar, dá repouso para nossa alma. Nossa sede é infinita, apesar de sermos finitos.
Felicidade é sentido: alguma coisa me ultrapassa, acrescenta vida à minha vida.
A arte não é o único caminho; outro caminho é o da mística.
O que mais desejo, pessoalmente?
É o que um grande psicólogo falou: a individuação. Quero pensar que minha vida teve sentido. Quero viver a plenitude de meu ser. O que mais tem para se querer?
De resto, hoje suspeito poder viver com meio prato de comida e água.”
PENSAMENTO À JANELA
O que durante o dia foi pressa e murmuração
a boca da noite comeu.
Estrelas na escuridão são ícones potentes.
Como oráculos bíblicos,
os paradoxos da física me confortam.
Sou um corpo e respiro.
Suspeito poder viver
com meio prato e água.
Postei em meu face. Pos dia Internacional da manha fiquei me perguntando sobre plenitude da vida…Eu, aos 45 anos desempregada, tentei ser professora em escola publica, fiquei sem voz, tornei-me estudante de artes-canto, a mais velha da sala em uma turma de adolescentes …entao me deparei com este texto. Assinaria sem duvida se fosse um manifesto…e Adelia, com o perdao do uso..eu me curvaria sim a voce, num gesto de puro amor e respeito pela sua experiencia que recebo em alma plena.
Oi Marilei, que bom que a Adélia falou à sua alma! É sempre muito importante ter essa Maravilhosas Velhas Senhoras a iluminar nossos caminhos!
Grande abraço
Cris