O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

A menina da harmonia : Bettina Jespersen

Fiz esses contos com intenção de “traduzir” para a linguagem mitológica alguns aspectos da vida real da mulher entrevistada no nosso livro O feminino e o sagrado: mulheres na jornada do herói.
Então, para esclarecer os que ainda não leram o livro e relembrar a quem leu, antes do conto há um pouco da biografia da pessoa a quem se refere.

Antes de começar a entrevista, Bettina sentou-se no sofá, tirou os sapatos e nos pediu para fazermos um minuto de silencio e meditação. Isso criou o clima tranqüilo que rolou pela conversa toda, percebido até pelo gato que ficou passeando, atrás dos longos cabelos dela, no encosto do sofá.
E parece que por toda vida Bettina procurou essa integração harmoniosa entre as diferenças ou diversidades. Paulistana, filha de pai dinamarquês, mãe austríaca, estudante de colégio inglês, viajou pelo mundo todo antes de se estabelecer em Findhorn, na Escócia, sede de uma comunidade alternativa, pacifista, multicultural e ecológica.
Já há dez anos morando lá, hoje ela é focalizadora (a principal responsável) de um time de gerenciamento, papel importante e de grande responsabilidade.
Era uma vez uma menina de cabelos de cachinhos dourados, que nasceu em uma aldeia onde moravam três tipos de pessoas.
O vizinho da esquerda da menina era um rapaz branco e seco; sua vizinha da direita era baixinha, amarela e tagarela; a moradora da casa da frente era preta e sorridente.
E todas as pessoas dessa aldeia também falavam três idiomas.
Usavam o português para dizer que gostavam de alguém, o inglês quando tratavam de negócios, filosofavam em alemão, e se desentendiam nas três línguas.

Com o tempo, a menina começou a achar que três línguas era pouco, apenas três tipos de pessoas era monótono, e que as brigas eram muito chatas.
Ficou se perguntando como seriam as outras aldeias, quantos tipos de gente existiriam, e, principalmente, se pessoas diferentes poderiam conviver em harmonia.

Assim, num belo dia, a menina de cachinhos dourados pegou sua mochilinha e partiu.
Na aldeia seguinte, ela viu que as pessoas eram avermelhadas (a mesma cor das flores que plantavam), sua fala anasalada, e não gostavam de abrir as fronteiras para os outros.
Na aldeia seguinte, as peles dos habitantes tinham tons azulados, seus pensamentos eram rápidos, as palavras compridas, e só admitiam estrangeiros que concordassem em fazer o serviço duro.

E para lá e para cá andou essa menina, aprendendo línguas, cores, deuses, formas de convivência e de dominação.
Ela achava que não iria, nunca, parar de viajar, pois não encontrava o que queria.

Até que, certa tarde, ao cruzar um gelado despenhadeiro, ela se viu numa aldeia formada por pessoas vindas de todo canto do mundo.
Eram diferentes umas das outras, falavam línguas diferentes, mas pensavam de maneira parecida.
Sendo, ao mesmo tempo, parecidas e diferentes, elas tinham feito um trato de conviver em harmonia, sem brigas ou dominação, e em paz também com a natureza.

A menina resolveu morar ali, e cada dia tem uma nova experiência.
Só que ás vezes ela se embanana, falando e fazendo muitas coisas com muitas pessoas, daquele jeito que a gente se embanana quando pega vários fios de uma meada e acaba dando um nó.

Mas está tudo certo, porque, para ela, embananar-se faz parte do esclarecer-se, como ficar faz parte do ir e juntar faz parte do harmonizar.

3 comentários

  1. Anônimo disse:

    Oi Cris, oi Bia…

    O que faz a alma de uma pessoa querer conhecer pessoas diferentes e a outra ter horror de tudo isso? Bettina e eu!

    Lendo o conto de fadas da Bettina pensei nisso. Adorei o conto, lindo como os outros, mas esse me fez refletir de maneira diferente.

    Well…queria apenas dizer…que gosto dos contos e que para mim, essas “mulheres" são outras mulheres bem diferentes de quando eu as conheci. É outro livro.

    Continuo descobrindo muitas coisas…mas é assim mesmo, não?

    Obrigada,
    Beijo,
    Giovana Ferraz – a pessoa que transcreveu as histórias dessas belas mulheres.
    Ouvi, li, (re)li e agora leio esses contos de maneira distinta, como se fosse uma "nova" história.

  2. Anônimo disse:

    Gi, foi muito bom ler o que vc escreveu, vc que esteve tão perto e ao mesmo tempo tão longe da "feitura" desse livro!

    E constatar duas coisas que seu comentário me sucita e que são fantásticas e aparentemente diferentes: a importância de seguir o que pede nossa alma e a enorme riqueza que vem da diversidade das almas humanas e de seus diferentes anseios.
    Beijo querida
    Cris Balieiro

  3. Anônimo disse:

    É um conto muito lindo.
    Ele me fala da necessidade que nos leva a sair em busca do nosso lugar no mundo. E esse lugar pode não ser propriamente físico. Pode ser até uma nova forma de lidar com situações. O importante é a firmeza do propósito e o respeito às diferenças. Aprender a lidar com o novo.

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