Fotografar ou viver?
Entrei na catedral de Notre Dame junto com a multidão de turistas. Sem perder um segundo, muitos já vinham com a câmera apontada para os lados, aleatoriamente filmando ou fotografando antes mesmo de olhar em volta – repito, ANTES DE OLHAR em volta!
E continuaram do mesmo jeito igreja adentro – eu sei, porque fiquei prestando atenção neles, pensando horrorizada: – O que essas pessoas estão vendo, sentindo, vivendo? Como fica a experiência sensorial e emocional de estar na catedral?
Lembrei de um conhecido a quem perguntei como tinha sido sua viagem ao Chile e ele respondeu:
– Ah, nem te conto, minha máquina não funcionou e não tenho nenhuma foto de lá!
Ou seja, ele não foi de fato ao Chile.
Será que já chegar fotografando é uma forma de diminuir a aflição de lidar com o que nos escapa – aquele momento no tempo – fazendo que ele se torne uma coisa: uma imagem que não foge?
Alem disso, gente, quem vê tanto filme e fotografia? A pessoa que viajou e que, como não viu a catedral na hora que estava lá, a vê depois no monitor? Os coitados dos familiares e amigos que ela convoca? Será que alguém vê mesmo essas fotos, ou elas ficam armazenadas, eternamente virgens porque perfazem um numero tão absurdo que dá preguiça até de abrir o arquivo?Dulce Critelli escreveu num artigo da Folha “…na sociedade de consumo, vivemos para sermos felizes por meio do que adquirimos”.
Então, seríamos felizes por meio das fotos que nos pertencem, já que as “tiramos” do lugar, ainda que elas fiquem enfiadas na maquina ou no pendrive?
Muitos adolescentes usam a câmera digital como espelho, fotografando-se incessantemente.
Seria esse um jeito de “se adquirir”, tornando-se objetos de si mesmos, de novo coisas, em vez dos instáveis processos sem controle, fugidios como o tempo, que esses meninos podem desconfiar que nós somos?
Ou, supondo que os turistas fotografam para “ter” a experiência, e “conhecer” o lugar que estiveram, esses turistas de si mesmos precisariam das fotos para “se ter” e “se conhecer” como imagens externas, onde está o “real” possível e palpável?
Gosto de navegar por mundos alternativos, entendendo-se por isso viagens externas e internas, a internet, a literatura, os filmes, os sonhos, os fundões da minha própria mente… Lugares e transportes não faltam, mas o que acho interessante nessas viagens é ir inteira, coração-cabeça-corpo.
Penso que se fotografar servir á maior fruição do momento, é prazer.
Se impedir de viver o momento, é estorvo.
Texto de Beatriz Del Picchia
Tenho me questionado sobre esta questão muitas vezes, Beatriz. Confesso a aflição que o conflito gera enquanto busco me dividir entre viver o momento e fotografá-lo. Muito bem colocada e esmiuçada tua reflexão. Abraço!
Eu pelo menos tenho mania de rever minhas fotografias. Mas eu percebo que faço isso pois nossa memória é traiçoeira, ã gente esquece de detalhes. Então vejo as fotos pra lembrar exatamente como era o fulano que conheci em determinada viagem, ou como era aquele castelo que vi na França, etc e tal. A fotografia me ajuda a repassar o filme de minha vida na minha mente, me traz de volta aquelas lembranças gostosas e alegres.
Beijos
ursulaferraricoach.wordpress.com
Sim, verdade! Outro dia sugeria a alguns amigos fazermos uma mandala de areia, com o ritual tibetando. Pois não teve uma pessoa que perguntou se poderia fotografar antes de desmanchar? rsrrrrrrrsr…tudo pode escapar das nossas mãos, mas o verdadeiro ficará no coração.
beijo grande;
Patricia
Beatriz,
Concordo com sua reflexão e muitas vezes já me peguei pensando sobre isso.
Parece que na sociedade da imagem, esta acaba valendo mais do que a própria experiência vivida.
Laura