A MENINA PASSARINHO II: Relatos simbólicos de uma mulher em jornada
Escrevi esses “contos para crianças” com uma diferença de 18 anos entre eles!
Os dois são retratos, totalmente simbólicos, do que estava vivendo internamente naquela etapa da minha vida.
Eles falam da grande dificuldade, para muitas mulheres (e para muitos homens também), de viver, criar e amar uma família e ao mesmo tempo ser fiel a si mesma. Do enorme conflito em se adequar ao que é esperado da gente (por gente que nos ama e a quem amamos, o que torna tudo mais penoso) ou responder ao chamado da nossa alma.
Acredito que essas pequenas histórias “infantis” contem, de forma metafórica, um pouco como eu vivi e dei conta desses dilemas, em duas fases diferentes na minha vida.
Na primeira, eu tinha 33 anos, estava casada, tinha uma filha pequenininha e era mãe e esposa full time. (postado em 24/12/2010)Na segunda, tinha 51 anos, estava divorciada, era uma profissional que sustentava a mim e a minha filha, sozinha há anos, minha filha já tinha 21 anos e eu estava muito focada na busca de mim! (postado em 27/12/2010)
Em um workshop /novembro 2003….
Era uma vez uma menina que gostava de voar. Ela gostava tanto de voar que cresceram umas asas bonitas, douradas, bem emplumadas nas suas costas. Mas ela não mostrava as asas para ninguém. Ninguém, eu digo gente. Porque as gentes iam achar aquilo muito esquisito, muito estranho. Gente não acha que meninas possam ter asas. Só passarinhos!
Menina tem que ter bom comportamento, cabelos bonitos, boas notas, sorriso meigo, mas asas…?!? Nunca! Então ela escondia suas asas bem escondidas e só mostrava para as árvores, para os rios, para o céu, para as flores, para o mar, porque essas pessoas que não são gente não acham nada estranho uma menina ter asas.
Então, ela só voava escondido. O que ficava muito difícil. Só dava de vez em quando.
Essa menina, que as árvores chamavam de menina passarinho, morava em uma linda casa-gaiola, com seu pai, sua mãe e seus dois irmãozinhos. A casa era bonita, espaçosa e eles brincavam muito. A mamãe fazia biscoitos para eles e o papai quando chegava cantava, mostrando a música e o mundo. Mundo que ficava lá fora. O vasto mundo era além da rua da casa-gaiola. O vasto mundo para o qual a menina passarinho tanto queria voar.
Mas ela não podia. Ela não podia porque fazia parte do jogo da gaiola. O jogo era assim: todo mundo fingia que era feliz, que ninguém ficava com raiva de ninguém, que ninguém magoava ninguém. E a regra principal: todos deveriam querer ou, pelo menos fingir querer, viver para sempre em casas-gaiolas e não ter anseio pelo vasto mundo!
E o jogo precisava da menina passarinho: se ela não ficasse lá jogando o jogo e fingindo não ter asas o jogo não dava certo! Na verdade se ela dissesse que era uma menina passarinho o jogo deixava de existir. Mas não havia esse perigo, porque ninguém reparava nas suas asas, nem em seu desejo de voar…
E foi assim por muito, muito, muito tempo.
E o tempo continuou passando e a menina passarinho cresceu e mudou para outras casas-gaiolas e jogou outros jogos, sempre escondendo suas asas!
Nesse tempo ela tinha escondido suas asas até de si mesma! Ela já quase acreditava que queria viver para sempre um uma casa-gaiola!
Até que um dia na casa-gaiola em que ela estava vivendo naquele momento, de repente, muito de repente e, quase por acaso, ela viu uma janela aberta e lá fora o céu.
Azul, azul, livre, amplo, inteiro só para ser voado!
E ela lembrou!!! E pensou: “Será que eu vou? Será que serei capaz? Será que minhas asas ainda estão aí? Será que eu me lembro como é ser menina passarinho?”
Ela não sabia! Não sabia o que o tempo tinha feito em tudo aquilo.
Mas a tentação foi maior!O desejo de céu, da amplidão do azul, de vôos e de liberdade foram maiores que o medo!
Então, ela abriu a janela, esticou seus braços, abriu bem os olhos e…
SE ATIROU !
E a amplidão das ideias como essas nos fazem voar!
bjs Bia