O Estado – Mãe
Alguém disse que, atualmente, adulto parece ser um animal em extinção…
Não sei se ele tem razão, mas às vezes parece que na sociedade em que vivemos há certo desejo de que alguém tome conta de tudo para nós, como se fossemos crianças deixando as coisas por conta da Mamãe.
E se no caso individual a “Mamãe” pode ser a namorada, o marido ou a terapeuta, no caso coletivo é o Estado.
No Ocidente, o Estado moderno foi se estruturando de forma a assegurar ao individuo as liberdades democráticas. Em seu livro ALQUIMIA, a psicoterapeuta Marie Louise von Franz diz que “a base da Constituição (suíça) era certo numero de leis cujo principal objetivo era garantir a liberdade ao individuo, a liberdade de religião, a liberdade de propriedade, etc… enquanto o bem estar físico era um tanto negligenciado.”
Mais tarde “uma mudança secreta ocorreu do conceito patriarcal do estado para o Estado do Bem Estar… “do arquétipo paterno passou-se ao materno, em que o Estado tem de cuidar da saúde do povo, de seu bem estar material, pensões para a velhice, etc… O Estado deixa de ser pai, mas passa a ser a mãe, e, como tal, interessada no bem estar físico de seus filhos…. Há uma lenta mudança que, em grande escala, aconteceu em toda civilização cristã e a que poderíamos chamar de secreto regresso ao matriarcado e ao materialismo.”
Nesse sentido, por exemplo, você não acha que existem muitas leis e regulamentos tratando de assuntos que deveriam estar na esfera do privado e pessoal? Seja como for, concordo com von Franz de que é importante termos consciência do que estamos fazendo – ou projetando. E será que não estamos projetando no Estado o arquétipo da Mãe Nutridora, que necessariamente traz junto a Mãe castradora e limitadora?
Olhe essa foto de cima, representando uma maravilhosa e antiga Deusa Mãe. Os inúmeros seios dão muito leite, mas assim mesmo, para se assumir plenamente, a criança deverá crescer, cuidar do próprio alimento e sair de perto dessa fonte inesgotável.
Até que ponto essa criança não poderá cair na tentação de abrir mão de sua liberdade a troco de obter garantias infantis de saúde eterna, de ter um monte de regras em vez de um monte de estimulantes dúvidas, enfim de manter a ilusão de que Mamãe está resolvendo as coisas sem que ela tenha de correr o risco de tomar decisões, e de cuidar e vigiar o que é seu?
Sou de uma geração que acreditava – e ainda acredito – nos velhos slogans: que meu corpo a mim pertence, que minha liberdade vai até onde começa a do outro.
E, como Caetano Veloso, digo que não quero Mátria nem Pátria: quero Frátria!
Texto e fotos de Beatriz Del Picchia