Entrevista com Rose Marie Muraro
Quando assisti ao video abaixo e vi aquela mulher de 80 anos quase cega, sendo conduzida numa cadeira de rodas, portando uma vassoura como se fosse uma bandeira, falando sobre bruxas e perguntando:
“- Para que precisamos de um cotidiano do sistema?”, eu não resisti. Arrumei o telefone da Rose e liguei para pedir uma entrevista, que ela generosamente me concedeu e da qual hoje posto um trecho.
Rose Marie Muraro nasceu praticamente cega e se tornou uma brilhante intelectual. Formada em Física e Economia, foi editora, escreveu mais de 30 livros polêmicos e inovadores, lutou pela teologia da libertação e foi uma das primeiras mulheres a abraçar o movimento feminista no Brasil. Não à toa, recebeu o titulo de Patrona do Feminismo Brasileiro e ano passado foi inaugurado, no Rio, o Instituto Cultural Rose Marie Muraro. Corajosa, criativa e ousada, Rose fez e segue fazendo uma das mais admiráveis Jornadas da Heroína que conheço. Sua Dádiva para o mundo beneficiou a todas nós, mulheres brasileiras, e agora, entre outras coisas, ela dá um exemplo de como saber envelhecer.
Nestes últimos 30 anos, os temas que te moviam são os mesmos ou mudaram?
Não, agora eu mudei. Diz o ditado judeu: Quando tem 30 anos, o homem julga os outros – o que quer dizer que ele é arrogante – e quando tem 50 ele julga a si mesmo, isto é, é humilde. Mas quando tem 70, você julga o mundo. Esta foi a grande mudança, que ampliou muito minha vida. Apesar das doenças, apesar de eu andar de bengala, apesar de estar quase cega, tudo cresceu muito.
E seus temas de antes, a feminilidade, sexualidade..?
Olha, já encheram um pouco o saco! Sabe por quê? Eu criei uma geração, eu mudei a cabeça de uma geração inteira. É verdade! Agora tem muitas mulheres trabalhando com isso. Então, chega. Senão eu fico repetindo a mesma coisa, e vou ficar deprimida.
Eu estou interessada na crise econômica, estou interessada no problema ecológico, em como a gente está destruindo o mundo. Eu estou trabalhando com moedas complementares, que são problemas estritamente femininos… Eu posso ajudar o governo a tirar o país da pobreza. Estou gostando muito deste tipo de trabalho.
James Hilman, o psicólogo junguiano, falou que o caráter se intensifica na velhice. Você concorda?
Então, a cabeça vai lá para o infinito e o corpo daqui a pouco morre. Estou numa bananosa porque eu há dois meses que estou com uma virose que não vai embora nunca. Não sei se vou morrer disso, mas também, se morrer, foda-se. Eu acho que estou muito mais plena do que eu era há dez anos atrás. O que você era na juventude se intensifica, sim. Se era dependente de alguém, de alguma coisa, isso se intensifica. Você fica mais deprimida, você fica mais insatisfeita. Se, como eu, você nasceu deficiente e lutou contra sua deficiência, você já se acostumou a lutar. Vou lutar até a morte.
Cada vez com mais recursos internos, não é?
Mais recursos internos. Hoje eu tenho doze netos, cinco filhos, três bisnetos por enquanto.
Estou vendo o mundo correr, mas tenho pena dos meus bisnetos, pela questão ecológica, mesmo. Pois eu acho que estou com este problema desta virose que não sara nunca porque estamos levantando forças na atmosfera que liberta bactérias, que liberta coisas. Você só ouve falar em incêndios, inundações e secas. Igualzinho ao que diz o Evangelho: “Ouvireis falar de incêndios, secas e inundações, e sabereis que o fim está próximo”. Isto me apavora.
Gente muito burra. Burra!
E é por isso que eu quis pegar este depoimento seu… Nós vamos entrevistar outras pessoas dentro dos mesmos temas.
Você vai ver todo mundo triste, desanimado… Ah, vá tomar banho, pensando no sofrimento! Eu nem sei que existe sofrimento. Eu passo as noites acordada, e quando acordo de manhã estou como se não tivesse passado uma noite mal.
Não posso me queixar porque fui muito privilegiada, com muito incentivo desde que eu nasci.
Tenho lidado com a totalidade da vida… Eu dei minha cara a tapa para os militares e as outras estavam bem escondidinhas.
Para os militares e para certa critica machista..?
Disso aí eu nem tomei conhecimento. Tinha medo era de que os militares me matassem, né? Só fizeram proibir minha obra. E depois tiveram que me pagar indenização, graças a Deus. Mas só enfrentei os militares porque enfrentei a vida quando nasci. Eu nasci destinada a morrer de hiperglicemia, além do mais. E naquela época não tinha antibióticos… E depois fui a aluna mais brilhante da minha turma da minha escola. Acho que a cabeça puxa o corpo.
A cabeça puxa o corpo para qualquer lado, né? Para cima ou para baixo…
Se a pessoa puxa para baixo na velhice, é porque esteve para baixo também na juventude.
Mas há uma possibilidade de progresso, aumentar o grau de consciência, não?
Eu volto outra vez ao Evangelho, embora não seja mais cristã: ”Numa terra fértil as sementes brotam”. Se for pedra, ou ela não quiser ninguém… .
Eu me lembro de quando fiz o trabalho nos anos sessenta. Eu era considerada uma prostituta, uma sapatona, uma mal amada. Mas eu não estava nem aí; ia fazendo.
Tem uma questão a gente sempre coloca: o caminho feminino passa pelo intelecto, mas tem muito da experiência pessoal, coisa que as mulheres sempre trazem…
O intelecto fora da experiência pessoal é o intelecto masculino, abstrato, esquizofrênico e dissociado Se não tiver inteligência emocional, minha filha, sai de baixo! Essas pessoas são mais infelizes do que as outras.
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Uau, que mulher incrivel! Muita gratidao pela entrevista!