O Feminino e os Livros: CAMINHO PARA A INICIAÇÃO FEMININA
CAMINHO PARA A INICIAÇÃO FEMININA, da analista junguiana Sylvia B. Perera, foi lançado em 1985, pela Editora Paulus na coleção Amor e Psique.
Esse é daqueles livros indispensáveis a qualquer bibliografia sobre a questão do princípio feminino.
A autora vai analisar o mito mais antigo que se tem conhecimento sobre a descida da deusa e a descida até a deusa, tema que existe em diversas mitologias. O mais antigo é o mito da Suméria, da deusa Inana, que data do terceiro milênio A. C. Ela vai usar esse mito como metáfora do caminho necessário para a mulher atual encontrar o mais profundo do seu feminino.
Como diz na introdução do livro:
O retorno à deusa, para renovação numa base de origem e num espírito feminino, é um aspecto vitalmente importante na busca que a mulher moderna empreende em direção à totalidade. (… ) Uma conexão interior dessa natureza é uma iniciação essencial para a maior parte das mulheres modernas do Ocidente; sem ela não podemos ser completas. Esse processo requer, a um só tempo, um sacrifício de nossa identidade enquanto filhas espirituais do patriarcado, e uma descida para dentro do espírito da deusa, porque uma extensão enorme da força e da paixão do feminino está adormecida no mundo subterrâneo, no exílio há mais de 5000 anos.
No mito, Inana, “a rainha suméria do céu e da terra”, desce ao mundo inferior, “a terra de onde não há retorno” para visitar sua irmã Ereshkigal , “a rainha do grande abismo”. Lá, Inana é morta por Ereshkigal e depois de várias ações de diferentes deuses ela é resgatada, ressuscitada e retorna para o mundo superior, mas tem que enviar um substituto para si no mundo inferior. Acabam indo Dumuzi/Tamuz, seu primeiro marido e a irmã dele Geshtinana, que se revezam ficando 6 meses cada um no mundo inferior.
Sylvia Perera diz que esse mito pode ser visto em quatro perspectivas. A primeira é nos reconectar com a vida cíclica de toda natureza e com a nossa própria vida cíclica. Nos ciclos existem tempos de luz e tempos de sombra, tempos de morte e tempos de renascimento, tempos de ganhos e tempos de perda, tempos de viver no mundo superior e tempos de viver no mundo inferior! Essa reconexão com os ciclos é essencial, especialmente para nós mulheres, para nos resgatar das armadilhas do patriarcado em que caímos, especialmente a busca da perfeição.
Em segundo lugar ver o mito como metáfora de um processo de iniciação nos mistérios, ou seja, na exploração de diferentes modalidades de consciência e a redescoberta da unidade com a natureza e o cosmos. Como diz:
Essa necessidade (da descida ao mundo inferior) – para os que estão a ela destinados força-nos a mergulhar fundo para resgatar modos de consciência diferentes dos níveis intelectuais….nos força a enfrentar as profundezas arcaicas carregadas de emoção e dimensões mágicas, que são incorporadas, cheias de êxtase e transformação…a descida de Inana é a revelação de um ritual iniciático diretamente relevante para a experiência feminina de nossos dias.
Em terceiro lugar pode ser visto também como a a descrição de um padrão de saúde psicológica para o feminino – tanto nas mulheres quanto nos homens.
E, finalmente como um modelo para refletirmos culturalmente como pode ser a chegada dessa deusa de face escura – Ereshkigal. Ereshkigal como símbolo do paradoxo, do afeto primitivo, da energia irracional, da matéria e da lei natural, coisas que dão tanto medo ao patriarcado que tiveram que ser dominadas, reprimidas, negadas, mas que vem despontando como necessárias à consciência e a continuidade da vida.
Depois de falar dessas quatro maneiras de interpretar o mito ela começa a destrinchar cada pedacinho dele – que super resumi acima – e em cada análise vamos ter uma vasta carga de análise psicológica profunda sobre o feminino. Vejam alguns amostras:
Num trecho do livro compara a morte de Inana no mundo subterrâneo a Cristo, mas ressalva:
Não foi pelos pecados da humanidade que Inana se sacrificou, mas sim, pela necessidade de vida e renovação da terra. Ela está mais relacionada à terra do que ao bem e ao mal.
Isso me parece muito mais concernente a essência do Feminino Sagrado! Falando das duas deusas irmãs diz:
O poema mostra Inana chamando Ereshkigal de irmã. Ela é sua sombra ou complemento; juntas as duas deusas formam o núcleo bipolar do arquétipo feminino (…) A deusa do grande mundo superior simboliza todas as modalidades das energias vitais associando-se ativamente umas às outras e fluindo juntas (…) Abaixo está a energia que se volta para si mesma, mergulhada em introversão auto preservadora (….) O envolvimento ativo que solicita o outro, que envolve o parceiro em amor ativo e num abraço guerreiro é Inana; a espiral descendente e regressiva, solitária, e até mesmo fria e indiferente ao outro é Ereshkigal. O mito nos diz que não é patológico ser inconstante; trata-se, isto sim, de um serviço à deusa bipolar da vida e da transformação.
E descreve o que é para ela um ego feminino em individuação:
(…) o que celebra e aceita os processos de transformação da vida e da morte; que incorpora o equilíbrio sempre mutante entre o pessoal e o transpessoal; que ousa enfrentar as sombras do mundo inferior e voltar para a vida, incorporando sensível e humanamente as suas energias, ao invés de reprimi-las.
Como podem ver, suas palavras são poderosas, então vai aí um aviso de perigo: ler esse livro pode ser no mínimo muito instigante mas, se o mergulho nele for profundo, pode ser transformador!
Olá Cristina
Quantas dicas de leitura preciosas você tem colocado aqui neste espaço. Neste semestre trabalhei os aspectos do feminino com minhas alunas na universidade e indiquei que elas visitassem o blog como forma de ampliar o conhecimento sobre o assunto.
Um abraço!
Obrigada pelas palavras e pela indicacão do blog! Abraco
Cris
Adoro esse blog! Por favor continuem, nao desistam nunca.É valioso mesmo p os leigos, que absorvem muita informacao preciosa. Esta entre os meus favoritos, estou sempre acessando em busca de novidades e de indicacoes de leituras. Agora mesmo espero, da Estante Virtual, varios livros que comprei por indicacao de voces. Parabéns e sigam em frente!
Que bom "ouvir"essas palavras, nos estimulam e muito a continuar! Um forte abraco
Cris