A Mãe Terra eslava
Os eslavos habitavam o centro e o leste europeu desde 800 ac e tinham em comum a língua proto-eslava. Sua origem é controversa; não há uma teoria aceita sobre isso de forma inequívoca. Hoje esses povos se dividem geograficamente em eslavos ocidentais (tchecos, eslovacos, morávios e poloneses), eslavos orientais (bielorrussos, russos e ucranianos) e eslavos meridionais (búlgaros, bósnios, croatas, sérvios, eslovenos e macedônios).
Originalmente eram pagãos e não tinham linguagem escrita. Com a forte e ampla cristianização que viveram, entre os séculos IX e X dc, grande parte da cultura original se perdeu. Seus mitos foram parcialmente conservados nos contos populares, no folclore e em alguns escritos de antigos historiadores cristãos. Mas também foram preservados em costumes, crenças e rituais que muitos camponeses desses países, mesmo sendo cristãos, conservaram até o século XIX.
Mati-Syra-Zemlya (Úmida Mãe Terra) era uma deusa eslava pré-cristã muito arcaica que não possuía representação antropomórfica. Era a própria personificação da Mãe Terra Úmida/Fértil ou da Mãe Terra Úbere/Seio, ou seja, a origem e a nutridora de tudo e todos. A Mãe Terra vista como uma entidade viva, de quem se devia respeitar inclusive os sentimentos, para poder contar com sua boa vontade em propiciar colheitas fartas e como consequência, garantir a sobrevivência das pessoas e de todos os outros seres vivos.
Os camponeses da antiga região da Volínia e da Bielo-Rússia consideravam grande pecado trabalhar na terra do início do ano até 25 de março, pois durante o inverno Mati-Syra-Zemlya estava “prenhe” e não se devia prejudicar sua gravidez com atos invasivos como arar. Na Rússia não se lavrava a terra em determinados dias santos num sincretismo de costumes pagãos com o cristianismo. E quem tivesse batido os pés no chão nesses dias, mesmo sem querer, teria que pedir perdão à Mãe Terra por seu gesto desrespeitoso.
Em algumas regiões faziam-se previsões sobre as colheitas abrindo um buraco no solo e “escutando” a terra: se o som ouvido fosse de um trenó carregado deslizando sobre a neve, significava boa colheita. Se se escutasse o som de um trenó vazio a colheita seria escassa. E quando acontecia algum tipo de epidemia, as mulheres (o ritual era vedado aos homens) cavavam um grande sulco ao redor da aldeia, para que as forças regeneradoras das entranhas da Terra desafiassem e vencessem a doença e a morte.
Até o século XIX em certos locais o ritual de casamento exigia que cada um dos noivos engolisse um torrão de terra para selar a união. Em outros lugares os juramentos, para serem considerados verdadeiros, exigiam que as pessoas que os fizessem colocassem sobre a cabeça um punhado de terra. E para alguns desses povos eslavos era costume, antes de viajar para qualquer lugar, beijar o solo natal se despedindo e, ao chegar ao destino, beijar o solo visitado pedindo licença para pisá-lo.
Trechos do livro O LEGADO DAS DEUSAS 2