Todas as famílias podem ser consideradas disfuncionais
A tal família margarina composta por pais, mães e filhinhos perfeitos não existe, diz o psicólogo Thomas Moore. Apesar de graves abusos familiares trazerem profundos sofrimentos, em certo nível todas temos que elaborar nossas vidas lidando com essas sombras de infância. E romantizar a família como “tendo que” ser perfeita não ajuda em nada.
“Atualmente os profissionais estão preocupados com a ‘família disfuncional’. Até certo ponto, porém, todas as famílias são disfuncionais. Nenhuma família é perfeita, e a maioria tem problemas graves. Uma família é um microcosmo que reflete a natureza do mundo, o qual se rege tanto pela virtude como pelo mal.
As vezes podemos nos sentirmos tentados a imaginar a família cheia de inocência e de boa vontade, mas a verdadeira vida familiar resiste a esse romantismo. Geralmente, ela exibe a gama completa de potenciais humanos, incluindo maldade, ódio, violência, confusão sexual e insanidade.
Em outras palavras, a dinâmica da verdadeira vida familiar revela a complexidade e imprevisibilidade da alma, e qualquer tentativa de pôr um véu de sentimentalismo simplista sobre a imagem familiar vai fracassar.
Se observássemos a alma na família respeitando suas histórias sem fugir de sua sombra, pode ser que não nos sentíssemos tão inexoravelmente determinados pelas influências familiares.
Fortemente influenciados pela psicologia do desenvolvimento, presumimos que somos forçosamente quem somos por causa da família em que fomos criados. E se pensássemos menos na família como a influência determinante pela qual somos formados e mais como a matéria-prima com a qual podemos elaborar uma vida?
Em certo nível, portanto, não importa se uma família tem sido predominantemente feliz, reconfortante e provedora de apoio, ou se tem havido abuso e negligência. Não estou afirmando que essas falhas não são significativas e dolorosas, ou que não deixam cicatrizes assustadoras. Em nível profundo, no entanto, a família é mais genuinamente família em sua complexidade, incluindo aí suas falhas e fraquezas.
Em minha própria família, o tio que foi minha fonte ideal de sabedoria e de moral também foi aquele que bebia demais e que escandalizava os outros por se recusar a ir à igreja. Em minha atividade profissional, tenho trabalhado com muitos homens e mulheres cujas famílias eram intoleravelmente violentas e abusivas, e, ainda assim, toda essa dor tem sido redentora, capaz de se tomar a fonte de muita sabedoria e transformação.
Quando encontramos a família do ponto de vista da alma, aceitando suas sombras e seu fracasso em atingir nossas expectativas idealistas, defrontamo-nos com mistérios que resistem a nosso moralismo e sentimentalismo. Somos levados para a terra, onde o princípio cede lugar à vida em toda sua beleza e horror”.
Fonte: livro Cuide de sua alma, de Thomas Moore