Gente, eu, Bia, estou toda contente, porque acabou de ser lançado um livro (capa abaixo) com três crônicas minhas, selecionadas da web revista para a qual colaboro, www.mundomundano.com.br. Estou colocando aqui uma delas, que trata justamente da ligação entre a vida concreta e a vida mítica, no caso a experiência vivida por uma menina (eu mesma) que, ao visitar a poeta Cora Coralina, se vê no meio de um conto de fadas… Doce Cora Rio
Há muito tempo atrás, eu tinha onze anos e fui viajar, com meus pais, para Goiás.
Amplos horizontes, abertos á toa, porque o olhar da menina pouco vê além de si mesma, ocupada como está em mudar de criança para a distraída magricela que aparece no espelho: – Quem? Eu?
Assim, chegamos á Casa da Ponte. Viemos pelo lado de baixo, sem passar pelo rio, que ficou adivinhado, lá onde se vê os parapeitos da ponte.
– Fazer o que, aqui? – penso, mas não pergunto; insondáveis são os caminhos dos pais. Entro com eles na casa.
Somos recebidos, com a generosidade de interiorzão largo (o de antes, sim), por uma moça que diz: – Ah, Dona Cora está para o fundo, podem ir por ali.
Seguimos então pelo corredor de tábuas mal pregadas, ou despregadas, ou soltas, ou será que o que se solta é a minha memória?
Não sei. Não garanto a vocês a veracidade de todos os fatos que descrevo. Ou melhor, garanto que de fato eles existem, ainda que apenas como uma verdade muito pessoal, tecida com fios estranhos e múltiplos. Mas tudo – a começar pela poesia, claro – não será, de fato, ficção?
O corredor divide a casa ao meio, longamente, até desembocar na cozinha (“o que importa na vida não é o ponto de partida, mas a caminhada…” – Cora Coralina.)
Ela vem nos cumprimentar, devagarzinho, mansa. Mansa? Com aqueles olhos? Gentil, melhor. Daquela gentileza antiga, do povo que limpava a mão no avental antes de estendê-la, nodosa e fria, para a visita.
Meu pai pede que ela autografe seu livro, e minha mãe já vai se entendendo com aquele reino feminino.
Olho para os tachos de doces. De um deles, enorme, borbulha algo cor de laranja – laranja mesmo? Abóbora?
Eu me aproximo. Na calda dourada brilham os pedaços de – sim, abóbora, que se destaca estridente e melecada da penumbra do fundo da panela.
Para além da janela de trás, um quintal de terra, árvores. Pelas janelas laterais, o rio, logo ali. Seus reflexos inquietam as paredes brancas, movimentando aquele lugar tão sólido, tão tradicional.
Como ser tradicional e sólido ao lado de um rio que corre pelas paredes?
E eu, menina a ponto de ainda ter como referência (para ser sincera, ainda hoje isso não mudou) os contos de fadas onde, nas cozinhas dos castelos, ficavam as boas aias e as mágicas madrinhas, parecidas com aquela senhora de coque antigo, só então acordo para onde estou: no castelo, é claro.
Comemos sentados ao lado de prateleiras cheias de garrafas de licor de pequi, raminhos duros esverdeando a transparência.
– Tanto açúcar, até dói o dente… – ri meu pai. – Mas é bom…
– Ah, meu filho – ela diz – Não sou eu quem faz os doces, porque não tenho mais forças para ficar mexendo a colher de pau no tacho…
– Que pena…
– Mas não faz mal, não. Como não consigo mais fazer doces, agora só faço poesia…
Aninha e suas pedras, de Cora Coralina
“Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha um poema.
E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede.”
Relacionado
Saudações! Como faço para adquirir o livro O Feminino e o Sagrado? Sou de Osasco – SP.
Me mande, por favor, as informações para; patricia.noce@gmail.com
Muito Obrigada!
Paz e Luz !