Raiva justa x raiva destrutiva
A raiva é uma ferramenta de defesa contra a injustiça e os maus tratos. Ela dá forças para a revolta e luta. Porém, se for levada longe demais ela acaba prejudicando a própria pessoa e a sociedade.
Este é o tema deste texto de Ursula Le Guin, que começa falando da raiva como instrumento do feminismo mas se estende à raiva cotidiana. Colhido no brainpickens.org e traduzido livremente por mim.
“Nos dias de conscientização da segunda onda de feminismo, exageramos na raiva das mulheres. Nós a cultivamos como uma virtude. Aprendemos a nos orgulhar de estar com raiva, a nos gabar de nossa raiva.
Estávamos certas em fazer isso. Estávamos dizendo às mulheres que acreditavam que deveriam suportar pacientemente insultos, injúrias e abusos que tinham todos os motivos para estar com raiva.
Estávamos estimulando as pessoas a sentir e ver a injustiça, os maus tratos metódicos a que as mulheres eram submetidas, o desrespeito quase universal dos direitos humanos das mulheres e a ressentir-se e recusá-lo por si mesmas e pelas outras.
A indignação expressa com vigor é uma resposta adequada à injustiça. A indignação tira sua força da raiva. Há um tempo para a raiva, e foi esse o tempo.
A raiva é uma ferramenta útil, talvez indispensável, para motivar a resistência à injustiça. Mas acho que é uma arma – uma ferramenta útil apenas em combate e autodefesa.
A raiva mostra a negação de direitos, mas o exercício de direitos não pode viver e prosperar na raiva. Ele vive e prospera na busca obstinada pela justiça.
Porém, se a raiva continua além de sua utilidade, torna-se injusta e depois perigosa. Amamentada por si mesma, valorizada como fim em si mesma, perde sua meta. Ele alimenta não o ativismo positivo, mas a regressão, a obsessão, a vingança, a justiça própria. Corrosiva, ela se auto- alimenta, destruindo seu hospedeiro no processo”.
O racismo, a misoginia e a irracionalidade da direita reacionária na política nos últimos anos é uma exibição assustadora da força destrutiva da raiva deliberadamente alimentada pelo ódio, encorajada a governar o pensamento e convidada a controlar o comportamento”.
Ursula Le Guin, Brainpicking