O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

Procriar, criar e escolher ter filhos

Na crônica Procriar e criar, a jornalista do Estadão Lucia Guimarães reflete como ter ou não ter filhos e a quantidade deles influenciou a produção literária de varias escritoras americanas e brasileiras. Algumas escritoras disseram que com apenas um filho é possível tocar uma carreira criativa, outras que para isso é melhor não ter nenhum, outras que tiveram uma porção de crianças e escreveram vários livros. 
Lucia diz que o problema de todas é a falta de suporte social, o que é certo e óbvio. Vamos combinar que criar filhos com pouco apoio do Estado e ainda trabalhar, como a maioria precisa, para dizer o mínimo deixa pouca energia para o resto.
A questão que trato aqui é que costuma caber às mães toda ou a maior parte do que envolve a criação de filhos: estabilidade emocional, organização de rotinas cotidianas, disponibilidade de tempo, compromisso afetivo, e muitas vezes suporte financeiro.  E, mesmo em meios mais avançados, ainda persiste a ideia de que todas as mulheres “normais”, muito mais do que os homens, nascem com a “missão” instintiva de ter filhos.
Será? Nós temos um forte chamado dos instintos para a reprodução, mas eles não deveriam ser confundidos com outras coisas. Coisas como posar de mãe da idealizada “família margarina”, preencher uma vida vazia, segurar um cara, aderir ao que as amigas estão fazendo, não tomar anticoncepcionais por desleixo ou descuido, não parar para pensar em quem se é e o que se quer de verdade naquele momento, achar que se tem que ter filhos para ser realizada. Isso lá é instinto? E materno?!

Me parece que ter filhos não precisa ser um objetivo óbvio para todas e todos, até porque o mundo já está superpovoado, né? E se a natureza estiver se defendendo dotando mulheres e homens com o instinto de não ter filhos
Dar a luz e amamentar é parte do feminino, não o todo. Nós humanos (pelo menos os junguianos) já descobrimos que há uma parte masculina em cada mulher assim como uma feminina em cada homem. O gênero nos define até certo ponto, muito variável de pessoa para pessoa. Então, o lado masculino da mãe e o lado feminino do pai podem cuidar das crianças. Felizmente isso já acontece (ainda pouco!), com vários casais das novas gerações e alguns das antigas.
Tudo isso para dizer que escrever é criativo, é importante, e cabe aos que tem essa vocação. Criar filhos é criativo, é muitíssimo mais importante, é um ato de amor, requer compromisso e deve caber aos que tem essa vocação.
Enfim, penso que escrever e criar filhos precisam ser escolhas vindas da alma (que não tem gênero). Só valem a pena se for livre opção e se a alma não for pequena. E aí tudo vale a pena, como disse o Fernando Pessoa.

Texto de Bia Del Picchia

2 comentários

  1. Anônimo disse:

    Nem todas as mulheres tem o instinto materno, sem sombra de duvida.Mas algumas tem, sim, e bem pronunciado.Eu tenho. Deixei minha carreira, ja iniciada, p poder ter e cuidar de quatro filhos. E fui duramente criticada por isso, me senti olhada com menosprezo, a vida toda.Entao: é dificil optar, e é dificil agradar. Feliz de quem pode exercer a opcao com liberdade…mas será que alguma mulher pode fazer isso?? Talvez daqui p a frente. Vera Márcia

  2. Justamente, Vera: seja lá o que a gente escolha vamos ser criticadas mesmo, porque estamos na posição impossível de "ter" de ser TUDO perfeitamente, e cumprindo TODAS as funções. E claro que a gente não tem liberdade total de escolha, mas até certo ponto sim. Então a primeira luta é nos esforçar para ter o maximo de liberdade possivel – inclusive em relação às criticas convencionais. E você fez isso, legitimando sua opção. É por aí mesmo que avançamos, forjando novos e autenticos paradigmas femininos. Beijo grande, Bia

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