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O Feminismo no Brasil – parte 4

Continuando a história do Feminismo no Brasil, a partir do artigo da professora Constância Lima Duarte, hoje a segunda parte da Segunda Onda.

Segunda onda: ampliando a educação e sonhando com o voto (parte B)

Se o Rio de Janeiro, como capital do Império e centro intelectual do país, concentrou o maior número de periódicos feministas, as demais regiões também tiveram seus periódicos, nem por isso menos significativos. Como O corimbo, de Porto Alegre, das irmãs Revocata Heloísa de Melo e Julieta de Melo Monteiro. Como o jornal teve uma vida surpreendentemente longa – foi publicado de 1884 até 1944 —, encontra-se em suas páginas a produção literária de várias gerações de escritoras e escritores. Os editoriais, geralmente assinados por Revocata Melo, costumavam trazer veementes apelos a favor do voto, à educação superior e à profissionalização feminina. O Corimbo foi incansável na mobilização das mulheres e na divulgação dos avanços em outros países, sempre incentivando as conterrâneas a fazerem o mesmo. Segundo Pedro Maia Soares, com o tempo, o jornal teria se tornado uma “caixa de ressonância do feminismo brasileiro”14, com o que concordamos totalmente.
Também editada fora do Rio de Janeiro, a revista A mensageira, que circulou na capital paulista de 1897 a 1900, teve importante participação na luta das mulheres brasileiras. Dirigida por Presciliana Duarte de Almeida, esteve no cenário nacional tanto por sua ampla distribuição, como pelas idéias que defendia e as escritoras que nela colaboravam. Praticamente em todos os seus números encontra-se a defesa da educação superior e textos divulgando o feminismo. Em 15 de outubro de 1899, por exemplo, há um interessante comentário, intitulado “O feminismo”, que saudava a abertura do mercado de trabalho para as mulheres, nestes termos:

O Diário popular acaba de assentar praça nas fileiras do feminismo; e por esse arrojo, não regateamos aplausos à ponderada folha vespertina. O caso da Dra. Mirthes de Campos trouxe para o terreno dos fatos a questão abstrata dos direitos da mulher. E o Dr. Viveiros de Castro mostrou-se, mais uma vez, coerente consigo mesmo. Abrir também ao belo sexo a função da advocacia constitui um simples corolário da liberdade profissional, que a Constituição da República sabiamente consagrou. Não seria congruente que as nossas patrícias pudessem, como podem, conquistar nas academias um diploma cientifico e ficassem, ao mesmo tempo, privadas da eficácia desse diploma, tão duramente conquistado. Com que fundamentos vedariam à mulher o campo da atividade honesta, se a nossa péssima organização social não a pode muitas vezes salvar dos horrores da miséria ou das especulações do vício? (A mensageira, 15/10/1899)

E são dessa época as primeiras notícias de brasileiras fazendo cursos universitários, no exterior e no país. E a cada nova médica ou nova advogada, a imprensa feminista expressava seu regozijo pela importante vitória “sobre os conceitos brutais da educação atrofiante, ainda infelizmente em vigor”. Mas também a literatura, o teatro e a imprensa masculina se manifestavam, encarregando-se de ridicularizar as doutoras e insistindo que seria impossível manter um casamento, cuidar de filhos e exercer uma profissão. A resistência à profissionalização das mulheres da classe alta e da classe média permanecia inalterada, pois esperava-se que elas se dedicassem integralmente ao lar e à família. Apenas as moças pobres estavam liberadas para trabalhar nas fábricas e na prestação de serviços domésticos.
Enfim, movida por uma mesma força e um mesmo idealismo, esta imprensa terminou por criar – concretamente – uma legítima rede de apoio mútuo e de intercâmbio intelectual, e por configurar-se como instrumento indispensável para a conscientização feminina. Nas lúcidas palavras de Dulcília Buitoni, tais jornais e revistas tornaram-se um eficaz canal de expressão para as sufocadas vocações literárias das mulheres, tendo exercido ainda uma função “conscientizadora, catártica, psicoterápica, pedagógica e de lazer”.

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