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No final de uma jornada surge a Grande Deusa: invocação e resposta

Um jovem chamado Lucio faz uma difícil jornada cheia de altas magias e aventuras até que no final encontra não apenas a “si mesmo” (o Self, podemos dizer) mas também a própria espiritualidade ligada à Grande Deusa.

Isso poderia ser um enredo de mini serie contemporânea, mas é um texto clássico do séc. II DC chamado O asno de Ouro, de autoria de Apuleio. A imagem ao lado é de Catherine Andrews.

Para começar bem o ano trago aqui um pedacinho da prece do moço e a belíssima resposta da Deusa, que aparece em resposta a seu pedido de socorro e muda sua vida daí para frente.

Lucio: – Durante o primeiro período da noite, quando apenas dormira o primeiro sono, despertei tomado de súbito medo e deparei-me com a lua reluzindo em grande esplendor, em plenitude, como se pulasse para fora do mar. Pensei então que essa era uma ocasião das mais secretas, quando aquela divindade tem mais poder e força. (….)

Foi quando, já cansado de meu destino cruel e calamitoso, pensei encontrar numa invocação e numa prece a essa poderosa Deusa, eminentemente bela, a esperança e o remédio que me livre da minha miséria. Movido pelo desejo de purificar-me, mergulhei minha cabeça no mar por sete vezes, sendo esse o número conveniente às coisas santas e divinas … com alegria e vivacidade dirigi uma oração à todo-poderosa Deusa.

Quando terminei a oração, tornei a cair no sono no mesmo lugar. Alguns instantes mais tarde apareceu-me, elevando-se do mar, uma face divina e adorável que os próprios deuses tinham reverenciado. Ela brilhava, surgindo das aguas em minha direção (…) e dirigiu-me as seguintes palavras:

– Eis-me aqui, Lucio, eu vim! Teus lamentos e preces comoveram-me. Sou a Mãe natural de todas as coisas, senhora e governante de todos os elementos, progenitora natural dos mundos, chefe dos poderes divinos, rainha de todos que estão nos infernos, a principal entre as que habitam os céus, manifestação absoluta, sob uma forma única, de todos os deuses e deusas. Minha vontade dispõe sobre os planetas no céu, sob os ventos dos mares e sobre o lamentável silencio do inferno.

Minha pessoa e divindade são adoradas no mundo todo, de maneiras diversas, em costumes variáveis e sob diferentes nomes. Os frígios chamam-me de “A Mãe dos Deuses”; os atenienses Minerva de Cécrops; os cipriotas dizem-me Vênus da cidade de Pafo; os cretenses chamam-me Diana de Dicte; os sicilianos Prosérpina Infernal; os que obedeciam ao culto de Elêusis adoravam-me como Ceres, sua antiga deusa; outros ainda me diziam Juno, Belone, Hécate; outros, Ranúsia. Os etíopes, bem como os egípcios, que são excelentes em todas as doutrinas arcaicas, cultuam-me por meu verdadeiro nome – a Rainha Isis.

Atento! Eis-me aqui a apiedar-me de tua sina e tua atribulação. Vim para favorecer-te e ajudar-te; cessa teus prantos e lamentações; afugenta a tristeza, pois esse é o dia da salvação determinada por minha providencia.

 

Extraído de A deusa Branca de Robert Graves, Ed. Bertrand Brasil

 

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