Mulheres, “fazedoras” sem tempo livre
Quando eu era pequena as mulheres da minha família estavam eternamente ocupadas com a cozinha, com a limpeza e arrumação da casa, cuidando de crianças, doentes e idosos. Não paravam até a hora de dormir. Mesmo quando bem velhinha, minha avó ficava sentava à mesa da cozinha administrando a empregada ou a parente que estava cozinhando, limpando, olhando a criança. Ela mesma ajudava, se preocupava. Já os homens paravam quando seu serviço profissional terminava, não ajudavam nem se preocupavam com assuntos domésticos.
Hoje as mulheres ainda falam que “sempre tem alguma coisa para fazer na casa”. Tem mesmo, e tem que ser feito depois do trabalho profissional. A dupla ou tripla jornada (de trabalho, não a mitológica) também é um fato. Os homens mais jovens estão com uma postura melhor sobre isso, mas o sentimento de culpa por coisas domesticas não feitas ou mal feitas ainda é maior nas mulheres.
Antes não tínhamos tempo livre e agora temos menos ainda. Pior, ficamos tão “fazedoras” que o tempo livre dá nervoso em muita gente (aí tanto mulheres como homens). Já ouvi muitos dizerem que não suportam domingo, feriados, férias. E perguntam: tempo livre para que, ora? É chato! É perda de tempo!
E a ansiedade, não é chata? A ansiedade é acima de tudo “fazedora”. Ela nos empurra para fazer um monte de atividades tipo falar sem parar, comprar sem precisar, viciar-se em joguinhos, grudar horas na tv, tudo para “matar o tempo”… que é matar a própria vida, afinal!
Para que tempo livre? Para deitar numa rede e ouvir o vento, passar a mão no pelo do gato, sentir cheiro de chuva, andar (não correr) a toa na rua ou no parque (não no shopping), olhar um bolo crescer no forno, deixar-se fazer-nada só dando chance de algo novo surgir…
E ok se nada surgir, e ok se surgir a vontade de aprender a tocar um instrumento, pintar uma aquarela, inventar uma história, dançar sozinha, costurar uma saia, livrar-se dos “eu devia.” O vazio é a origem do todo, o não fazer é a origem da criatividade.
Historicamente as mulheres sempre tiveram pouco tempo livre e/ou muita restrição e pressão social determinando o que podia fazer de seu tempo livre. Se hoje mais mulheres conseguirem valorizar o fazer-nada, muita arte, ideias e beleza surgirão no mundo pelo feminino…pois é do tempo livre que essas coisas surgem.
Abaixo uma historinha do lindo e esgotado livro “Histórias da alma, histórias do coração”. A foto mais de cima é do Nascido livre, facebook.
Os animais haviam se reunido e começaram a reclamar que os seres humanos viviam tirando coisas deles.
– Eles pegaram o meu leite – disse a vaca.
– E roubaram meus ovos – disse a galinha.
– E minha carne para fazer toicinho – disse o porco.
-E me caçam para ficar com meu óleo – disse a baleia.
Por último veio o caramujo e disse:
– Eu tenho algo que eles certamente tomariam de mim se pudessem. Algo que eles desejam acima de todas as coisas. Eu tenho tempo.