O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

Feminismo no Brasil – parte 7

Continuando o artigo da professora Constância Lima Duarte, sobre a história do Feminismo no Brasil, chegamos aos revolucionários anos 1970.

Quarta onda: revolução sexual e literatura (parte A)

E chegamos aos anos setenta: o momento da onda mais exuberante, a que foi capaz de alterar radicalmente os costumes e tornar as reivindicações mais ousadas em algo normal. 1975 torna-se o Ano Internacional da Mulher, logo estendido por todo o decênio (de 1975 a 1985), tal o estado de penúria da condição feminina, e tantas as metas para eliminar a discriminação. Encontros e congressos de mulheres se sucedem, cada qual com sua especificidade de reflexão, assim como dezenas de organizações, muitas nem tão feministas, mas todas reivindicando maior visibilidade, conscientização política e melhoria nas condições de trabalho. O “8 de Março” é finalmente declarado Dia Internacional da Mulher, por iniciativa da ONU, e passa a ser comemorado em todo o país de forma cada vez mais organizada. Segundo Eva Blay, o sacrifício das trabalhadoras americanas estava tão incorporado ao “imaginário coletivo da luta das mulheres”, que era justo o estabelecimento desta data.

Enquanto nos outros países as mulheres estavam unidas contra a discriminação do sexo e pela igualdade de direitos, no Brasil o movimento feminista teve marcas distintas e definitivas, pois a conjuntura histórica impôs que elas se posicionassem também contra a ditadura militar e a censura, pela redemocratização do país, pela anistia e por melhores condições de vida. Mas ainda assim, ao lado de tão diferentes solicitações, debateu-se muito a sexualidade, o direito ao prazer e ao aborto. “Nosso corpo nos pertence” era o grande mote, que recuperava, após mais de sessenta anos, as inflamadas discussões que socialistas e anarquistas do início do século XX haviam promovido sobre a sexualidade. O planejamento familiar e o controle da natalidade passam a ser pensados como integrantes das políticas públicas. E a tecnologia anticoncepcional torna-se o grande aliado do feminismo, ao permitir à mulher igualar-se ao homem no que toca à desvinculação entre sexo e maternidade, sexo e amor, sexo e compromisso. Aliás, o “ficar” das atuais gerações parece ser o grande efeito comportamental desta quarta onda.

Novamente surge uma imprensa dirigida por mulheres que o momento demandava. Em 1975 é fundado o jornal Brasil mulher, porta-voz do recém criado Movimento Feminino pela Anistia; e, em 1976 surge o periódico Nós mulheres, que logo se assume como feminista e vai circular por quase três anos. Os dois jornais enfrentam as questões polêmicas daqueles tempos atribulados como a anistia, o aborto, a mortalidade materna, as mulheres na política, o trabalho feminino, a dupla jornada e a prostituição, trazendo ainda muitas matérias sobre a sexualidade, o preconceito racial, a mulher na literatura, no teatro e no cinema. Segundo Maria Amélia de Almeida Teles, o primeiro número de Nós mulheres teria sido financiado pela cantora Elis Regina, falecida em 1982, também identificada com o ideário feminista. Alguns anos depois era a vez do Mulherio, criado em 1981, em São Paulo, por iniciativa de feministas ligadas à Fundação Carlos Chagas. Rapidamente a publicação alcança enorme prestígio nos meios universitários, e no seu terceiro número contava com mais de três mil assinaturas. Nas variadas seções havia desde denúncias de violência, da discriminação contra a mulher negra, à política do corpo, à amamentação, ao trabalho feminino e à vida das operárias e da periferia das grandes cidades, e também a produção cultural de escritoras e artistas e os endereços de grupos feministas de todo o país. Alguns números tornaram-se verdadeiros documentos da trajetória da mulher na construção de uma consciência feminista, tal a seriedade do trabalho realizado para a conscientização da cidadania e o avanço das conquistas sociais da mulher brasileira.

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