Fauzi Arap: Mare Nostrum – Sonhos, Viagens e Outros Caminhos
A poesia que Bethania declama antes da música é Pássaro da Manhã, de Fauzi Arap, autor, ator e diretor de teatro. Acabei de reler Mare Nostrum – Sonhos, Viagens e Outros Caminhos, de 1998, seu livro autobiográfico que conta um pedaço interessante da história do Brasil entre os anos 60 e 90.
Começando como ator nos grupos Oficina e Arena, ele logo passa a dirigir peças de vanguarda, tanto de autores como Plínio Marcos e Leillah Assumpção, como de sua própria autoria, pelas quais recebeu dois prêmios Molière. Entre outros, criou o antológico Rosa dos Ventos de Maria Bethania.
Sua vida está totalmente ligada ao teatro: “Oteatro é desobediência permitida… Ele possibilita uma libertação temporária do grilhão das máscaras, e é um respiradouro que nos ajuda a escapar do tablado raso do cotidiano”. Mas Fauzi vai além:“pessoalmente, as crises que vivi com a profissão acabaram me educando e possibilitando que eu descobrisse horizontes com os quais não sonhava”
Atravessa o marxismo “mesmo a política, para mim, sempre teve um caráter missionário e de salvação dos oprimidos… a ética política, mesmo equivocada e radical, pode substituir a religiosa, porque era semelhante a ela, em seu altruísmo e desapego”, naquela época sem duvida mais generosa, idealista e radical do que a de hoje.
Quando todos os sonhos acabam – tanto o político quanto o desbunde hippie, no caso em Ipanema – ele continua seguindo trilhas alternativas “depois de tanto tempo sou capaz de compreender por que é que fui considerado louco no ano de 63, contemporaneamente com minhas primeiras experiências com o LSD”, nas quais se aprofunda através de estudos de Jung e do trabalho na Casa das Palmeiras de Nise da Silveira: “Minha aproximação dessas verdades passou pelo tortuoso caminho de pensar a loucura. Eu não sabia o quanto a alma do louco guarda semelhança com a do ator.”
Mais tarde envereda por algumas correntes místicas e pela astrologia, mas: “embora eu tenha aprendido muitas verdades com todos os grupos por que passei, nunca consegui ser inteiramente comunista, nem espírita, nem rosa cruz, nem coisa nenhuma. E até nem mesmo ator, nem diretor, nem autor… quem sabe por intermédio de meus descaminhos eu estivesse destinado a aprender a ser um interprete, ou tradutor, entre as muitas línguas que o homem utiliza para falar do Absoluto e se comunicar com ele. Se eu conseguisse repousar sob as asas protetoras de uma seita qualquer, talvez eu não tivesse descoberto todos os meandros e armadilhas que se apresentam a quem se aventura a invadir esses reinos.”.
Bom, vou parar por aqui, senão acabo transcrevendo por inteiro esse livro único, um Mare Nostrum de águas profundas e muito brasileiras.
Texto de Beatriz Del Picchia
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