O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

A menina da dança: Jerusha Chang

Fiz esses contos com intenção de “traduzir” para a linguagem mitológica alguns aspectos da vida real da mulher entrevistada no nosso livro O feminino e o sagrado: mulheres na jornada do herói.
Então, para esclarecer os que ainda não leram o livro e relembrar a quem leu, antes do conto há um pouco da biografia da pessoa a quem se refere.

A entrevista com Jerusha foi feita em duas etapas. A primeira foi no seu belo Espaço, no qual, depois de atravessar o corredor cercado por trepadeiras e a pontezinha sobre as plantas, a gente tem a sensação de estar meio fora dessa cidade urbana e maluca.

Jerusha é arquiteta paisagista, casada, três filhos. Sua aparência é a de uma típica chinesa, pequena, leve, cabelos presos numa longa tranca, parecendo pronta para fazer Tai Chi. Fala baixo e suave, sorri muito, palavras fluindo como num riacho manso.

Durante trinta anos, Jerusha foi tradutora e discípula do Mestre Pai Lin, que era, como ela diz, “verdadeiramente um Mestre taoísta, não apenas um mestre de Tai Chi Chuan”. Depois que ele morreu, ela continua sua obra no Espaço Luz, Associação de Tai Chi Pai Li, na Vila Madalena.
Certa noite tempestuosa, um navio naufragou ao bater nas rochas de uma baía.
Apesar da escuridão, vários passageiros conseguiram nadar até a praia.
Um deles foi uma moça de longas tranças e olhos puxados.

Além de salvar-se, ela conseguiu trazer consigo um antigo livro de família, encadernado com fios de seda.
Nele havia fotos de sua terra, pétalas secas de crisântemos, desenhos de pessoas que pareciam estar dançando, e histórias cheias de paradoxos.
De nada adiantava que a moça soubesse ler os ideogramas nas quais as histórias eram escritas, porque elas não faziam sentido.

Depois do naufrágio, a moça e os outros sobreviventes fundaram uma nova aldeia ali perto, e todos prosperaram.
A moça quase se esqueceu do livro e da terra de onde viera.

Então, certo dia, ela viu algumas pessoas fazendo o que parecia ser uma lenta dança, que combinava perfeitamente com o vôo das gaivotas.
Com vontade de dançar como eles, ela foi se aproximando.
Já bem perto, notou que seus movimentos eram parecidos com os desenhos de seu livro.
Finalmente, quando alcançou o grupo, viu que em seu centro havia um Mestre-da-Dança.
E a moça logo pegou o jeito da coisa.

O Mestre a guiou por cada um de seus passos, e ela o guiou pela língua e pelos costumes daquela nova aldeia.
Com o tempo, ele foi lhe explicando as historias de seu livro, que só então fizeram sentido.
Na verdade, ele mais dançou do que explicou essas historias, de um jeito que não dava para separar o que era falado e o que era dançado.
Esse Mestre era assim mesmo, todo inteiro, velho-e-criança, miúdo-e-grande, e se movia como as folhas se movem ao vento e as gotas de chuva escorrem nas pedras.

Num movimento desse tipo, um dia ele se uniu à espuma de uma onda que aproveitou e – zás! Sumiu.
Mas, como era todo inteiro, ele sumiu-e-apareceu, voltando nos sonhos das noites de lua cheia, e partindo pelas manhãs.

E ficou fazendo essa outra dança durante todo o tempo que a moça precisou para acabar de se transformar na grande Mestra-da-Dança que ela é hoje.

2 comentários

  1. Qué hermoso dibujo, no entiendo mucho el portugués, pero si conocí mucho a Jerusha y mas que nada a su Maestro.
    La sonrisa inolvidable de ella la reflejás exactamente en la ilustración…y te lo agradezco!
    un abrazo desde buenos aires y cariños para ella!

  2. Marini, que bom que você gostou do meu desenho! Eu que te agradeço as palavras.
    Abraço
    Cris

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