O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

Entrevista para Folha de Letras/BH

A jornada das mulheres

    “Ser mulher é uma coisa, mas agir de forma feminina no mundo é outra coisa. Hoje precisamos aproveitar bem não só das nossas liberdades duramente conquistadas, mas também de nosso jeito de olhar, perceber e fazer as coisas, que é diferente dos jeitos do sistema patriarcal que há tantos séculos rege o mundo”, afirma Beatriz Del Picchia.       É com a convicção de quem conhece bem a luta das mulheres pelos seus direitos diante de uma sociedade ainda machista que a escritora, cronista, arquiteta e ativista Beatriz Del Picchia lança mais um livro sobre o o universo feminino nos dias atuais.
  Em parceria mais uma vez com a amiga Cristina Balieiro, psicóloga, psicoterapeuta Junguiana e orientadora de circulo de mulheres, Beatriz traz para o público  “Mulheres na jornada do herói” – pequeno guia de viagem”, síntese da obra anterior das autoras,” O feminino e o sagrado – Mulheres na jornado do herói”, que foi grande sucesso de vendas.
O título é editado pela Editora Ágora, do Grupo Summus.
    O novo lançamento contém várias mulheres narrando suas histórias de vida em busca de realizações e é baseado no modelo mitológico da jornada do herói, de Joseph Campbel.
   “Mulheres na jornada o herói” é o resultado de dois anos de integração e troca com o público e seguidores nas palestras e no blog.
  Beatriz falou com aa “Folha de Letras” e contou um pouco de sua vida e de suas atividades como escritora, cronista e palestrante.

ENTREVISTA               

Folha de Letras – Fale de sua formação acadêmica, o que faz atualmente.

Beatriz Del Picchia -Muitos anos atrás, quando fui escolher a profissão, fiquei em duvida entre Letras, Jornalismo, Psicologia e Arquitetura. Acabei optando por Arquitetura e mexendo mais com comunicação visual.
    E hoje acho que faço um pouco dos quatro: tenho alguns contos na área de ficção, os livros que escrevi em parceria com a Cristina têm a ver tanto com psicologia como com jornalismo literário, o blog que mantemos não deixa de ter um lado jornalístico, e também trabalho no computador com os desenhos que ela faz e os coloco no nosso blog e nas capas e ilustrações dos livros.
   A Cristina é psicóloga, psicoterapeuta junguiana e coordena círculo de mulheres. E, além disso, faz lindos desenhos, é claro…
F. de Letras – Fale sobre este lançamento de vocês “As mulheres na jornado do heroi – Pequeno guia de viagem” O que a motivaram  neste projeto?
Beatriz – Em 2010, nós lançamos “O feminino e o sagrado – Mulheres na jornada do herói”. Desde então, temos feito palestras para divulgar esse livro e ao final delas nós abrimos um debate e trocamos ideias com a platéia. Também criamos um blog sobre os mesmos temas, www.ofemininoeosagrado.blogspot.com.
   Isso tudo trouxe um grande contato com nossos leitores, ouvintes e seguidores, que sugeriram que fizéssemos um resumo do livro.
  Nós também notamos que tem gente que não tem tempo ou costume de ler, e nem muitos recursos financeiros, mas que se interessa pelo assunto.D
isso nasceu “Mulheres na jornada do herói – Pequeno guia de viagem”, um filhotinho do outro livro, contendo suas principais ideias e pequenos depoimentos.

F. de Letras – O título “O feminino e o sagrado” teve uma boa aceitação. Fale sobre o livro.
Beatriz – Nesse livro nós contamos as histórias reais de quinze mulheres brasileiras contemporâneas que, em busca da própria identidade, encontraram uma dimensão sagrada da vida. Usamos o termo “sagrado” não com sentido estritamente religioso, mas como aquilo que dá um significado à existência.
     Entre outras, nós entrevistamos uma xamã, uma médium, uma mestra de Tai Chi Chuan, uma mãe de santo, algumas psicoterapeutas, uma vereadora budista, uma atriz de teatro… Gente bacana e com coisa para contar.  
     O que nós percebemos é que suas historias de vida tinham relação com a Jornada do herói. A Jornada é uma descoberta de Joseph Campbell, que notou que existem estágios e certa sequência de acontecimentos comuns à maioria dos mitos de heróis de diferentes épocas, povos e culturas.
       Em nosso livro nós aplicamos isso às vidas das entrevistadas. Ou seja, nós explicamos e percorremos todas as etapas da Jornada ilustradas por trechos dos depoimentos delas. Depois contamos suas historias de vida completas dentro desse mesmo modelo, e também a nossa, ou seja, de como foi fazer esse projeto.
      Então, acho que o livro tem boa aceitação porque as pessoas se identificam com as histórias de nossas entrevistadas, que são muito interessantes, e ao mesmo tempo porque o livro também trata do lado simbólico, mitológico e maravilhoso da existência. 
Aqui estão links para as primeiras paginas dos dois livros, se quiser ver:
O feminino e o sagrado – Mulheres na jornada do herói http://www.gruposummus.com.br/indice/20071.pdf
Mulheres na jornada do herói – Pequeno guia de viagem
F. de Letras – Você se considera uma feminista? O que acha do feminismo nos dias atuais. O enfoque o mudou? 

Beatriz – Devemos demais ao movimento feminista! Sem a liberdade que temos aqui, hoje – falo de parte do mundo contemporâneo – nada da expressão feminina poderia vir à tona. Acho que nem teria sentido fazer esse livro sem termos passado pelas profundas transformações do papel feminino na sociedade.
   E pensar que em tantos países as mulheres ainda passam por situações extremamente opressivas…

Mas claro que o enfoque mudou, e está mudando. O modo feminino de fazer as coisas “da casa para fora”, no mundo, ainda é uma construção. Nós falamos um pouco disso nesse segundo livro.
     Algumas mulheres conseguem sobreviver e ter sucesso adotando e reforçando os padrões patriarcais vigentes, mas isso exige certo sacrifício que ainda está para ser entendido. Não estou falando para andar para trás, por favor, os tempos antigos não eram “bons” tempos para nós! O que dizemos é que o modo feminino, que podemos chamar de arquetípico, não nos parece similar ao masculino.
      Por exemplo, quando pensamos na palavra herói, a imagem que surge é a de um cowboy cavalgando solitário. Não foi isso que vimos nas histórias de Jornadas de heroínas.
    Enquanto os homens partem sozinhos para a luta, deixando tudo para trás, as mulheres tendem a levar junto amores, filhos, amigos, cachorros, papagaios…
    Elas mantêm e/ou criam mais vínculos, trocas e integração com seu ambiente. Sua jornada é mais cooperativa, inclusiva. É diferente da dos heróis.
F. de Letras – Você acredita que existe uma tipicamente literatura feminina no Brasil ou as mulheres se destacam sem se apoiar nesta distinção?
Beatriz – Não acho que se possa falar de literatura feminina ou masculina, mas que, assim como há diferenças entre as jornadas de heróis e heroínas, também há diferenças entre os sexos no jeito de perceber e lidar com o mundo.
      Nos textos femininos, o envolvimento pessoal e emocional tende a ser maior. E alguns escritoras e escritores são mais identificados com seu gênero do que outros na sua forma de expressão artística.
     Por exemplo, a gente percebe que um texto de Clarice Lispector (que considero uma espécie de gênio) foi escrito por uma mulher; é a mesma coisa com a poesia da Adélia Prado. Na outra ponta, acho que os livros de Jorge Amado jamais seriam atribuídos a uma mulher.
     Mas em outros autores isso não é tão evidente. E, claro, isso não impede que um homem possa escrever de forma feminina e vice versa.
    Também no campo de não ficção ou jornalístico, se há espaço, muitas mulheres tendem a incluir mais seu lado pessoal e emocional, coisa que eu particularmente gosto muito. O leitor se envolve mais, e o escritor não fica tanto “em cima do salto”, digamos.

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