Mesmo os melhores meditantes tem feridas a curar, diz um mestre budista
Segundo o professor de meditação budista Jack Kornifield, muitos praticantes de meditação tentam abafar suas emoções negativas, pensando que deveriam estar ou que já estão “acima” delas por causa da prática. Só que isso não faz com que elas desapareçam de verdade – pelo contrário, pioram justamente por serem abafadas.
Acontece que a maioria de nós não somos seres iluminados e portanto, em maior ou menor grau, temos mágoas, feridas e diversas questões psicológicas não resolvidas. A meditação traz benefícios maravilhosos, mas existem áreas que ela não atinge se a gente não decidir encara-las.
Jack Kornifield diz que recusar a ver nosso lado sombra não é solução, mas também não é solução desistir da espiritualidade ou da importante pratica da meditação. Tomar contato, aceitar e cuidar dessas emoções, se preciso numa psicoterapia, é o caminho para despertar o melhor de cada um – inclusive na meditação.
E esse caminho não é reto e sim espiral: algumas vezes fica mais espiritual e elevado, depois atende ao lado psicológico, depois volta para o espiritual e por aí vai. É como uma escada em caracol que dá voltas mas continua subindo para onde as sombras recuam e a luz brilha com maior intensidade.
Abaixo há trechos do artigo, colhido no site ciência contemplativa
“Na vida espiritual, eu vejo grande importância em trazer atenção para nosso lado de sombra, aqueles aspectos de nós mesmos e de nossa prática dos quais temos permanecido inconscientes. Como um professor da prática budista de atenção plena conhecida como vipassana, eu naturalmente tenho uma firme fé no valor da meditação. Retiros intensivos podem nos ajudar a dissolver nossa ilusão de separatividade e podem fazer surgir insights admiráveis e certos tipos de curas profundas.
Mesmo assim, a prática de meditação tem suas limitações… Muitos de nós temos levado vidas muito desintegradas e mesmo após práticas profundas e experiências iniciais de “iluminação”, nossa prática sentada ainda deixa areas importantes de nosso ser inconscientes, medrosas ou desconectadas. Muitos professores americanos de vipassana passaram recentemente ou estão agora em psicoterapia para lidar com esses problemas.
Algo está pedindo para ser questionado aqui. Se nós queremos encontrar a liberação verdadeira e a compaixão o que podemos aprender disso? Algumas conclusões úteis de nossa prática:
- Eu costumava acreditar que a meditação levaria a verdades mais elevadas e universais e a psicologia, a personalidade e nossos “pequenos dramas” eram um reino inferior eseparado. Eu queria que funcionasse dessa maneira, mas a experiência e a natureza não-dual da realidade não deu suporte a isso. Se queremos acabar o sofrimento e alcançar a liberdade final, nós não podemos manter esses dois níveis de nossas vidas separadas.
Os vários compartimentos de nossas mentes e corpos são apenas semi-permeáveis à consciência. Então, nós frequentemente encontramos meditadores que são profundamente conscientes de seus corpos e de sua respiração mas se encontram completamente inconscientes de seus sentimentos. Outros compreendem a mente mas não tem sabedoria na relação com o corpo. A atenção plena funciona apenas quando desejamos dirigir nossa atenção para todas as areas de nosso sofrimento. … Tal trabalho de cura é frequentemente melhor realizado em um relacionamento terapêutico com outra pessoa.
- Há muitas áreas de crescimento (mágoa e outras coisas mal resolvidas, comunicação e amadurecimento de relacionamentos, sexualidade e intimidade, carreira e outros problemas, certos medos e fobias, feridas antigas e mais) onde uma boa terapia ocidental é por inteiro mais rápida e mais eficiente do que a meditação. … A meditação pode ajudar nessas áreas. Mas se, após sentar por um tempo, você descobrir que ainda tem trabalho a fazer, encontre um bom terapeuta ou algum outro meio para lidar efetivamente com esses problemas. …
- Isso significa que deveríamos trocar a meditação por psicoterapia? De modo algum. A terapia também não é a solução. A consciência é! E a consciência cresce em espiral. Se você busca liberdade, a coisa mais importante que eu posso te dizer é que a prática espiritual sempre se desenvolve em ciclos. Há períodos interiores quando o silêncio é necessário, seguido de outros períodos de vida e integração das realizações silenciosas, assim como períodos para obter ajuda através de um relacionamento profundo e terapêutico com outra pessoa.
- Essas são fases igualmente importantes da prática espiritual. Não é uma questão de primeiro desenvolver um “self” e então seguir sem ele. Ambos vão juntos o tempo todo. Qualquer período de prática pode incluir samadhi e quietude, seguidos por novos níveis de experimentar feridas e histórias familiares, seguido por grandes períodos de deixar passar, seguido por mais problemas pessoais. É possível trabalhar com todos os níveis no contexto de uma prática espiritual. O que é necessário é a coragem para encarar a totalidade do que surge. Apenas assim podemos encontrar a cura profunda que buscamos – para nós mesmos e para nosso planeta.
Em resumo, temos que expandir nossa noção de prática para incluir toda a vida.”